segunda-feira, 9 de março de 2015

O solo e a crise de água

Por Raimundo Nonato Brabo Alves



 Com a crise hídrica do sudeste a maior preocupação é com o retorno das chuvas, para a reposição do nível das represas a patamares ideais de segurança de fornecimento de água para a população e indústrias. Outra medida é de construção de infraestrutura de reforço a estações já existentes, como adutoras e transposição de rios. Pouca atenção tem sido dada ao diagnóstico das causas que provocaram esse déficit hídrico, para a tomada de soluções mitigadoras da crise no futuro.

Momento em que a ONU determina que 2015 seja comemorado O ANO INTERNACIONAL DO SOLO seria importante aproveitar a ocasião para fazer uma avaliação das condições de uso deste recurso no Brasil, tanto no meio rural como urbano. As condições de uso do solo em uma região determinam a maior ou menor eficiência no seu ciclo hidrológico.
Um solo classicamente construído (1 cm de solo leva em média 1.000 anos para se formar) deve ser constituído de três fases: sólida (minerais e matéria orgânica), líquida (solução do solo) e gasosa (ar). Para que estas duas últimas fases façam parte do solo é necessário que algumas propriedades nele estejam presentes, como porosidade e permeabilidade. Inúmeras funções são exercidas no ciclo hidrológico por um solo bem manejado. A primeira é a de armazenamento de água momento em que somente os microporos estão retendo umidade, denominado de “ponto de murcha”. A segunda é a de “filtro” de purificação da água que se infiltra pelos macroporos e vai alimentar o lençol freático, quando a quantidade de água no solo ultrapassa a “capacidade de campo”, ou seja, está saturado de água. Num solo perfeitamente drenável a água se permuta com os gases na ocupação dos macro e microporos, tendo um bom teor de matéria orgânica como condicionadora das boas propriedades físicas do solo.


Manejo inadequado pode causar compactação do solo. A excessiva mecanização, com redução do teor de matéria orgânica, reduz a capacidade de infiltração de água, elevando a percolação superficial, com graves consequências na erosão do solo. O solo erodido vai provocar o assoreamento de rios, lagos e represas, reduzindo a profundidade e a capacidade de armazenamento de água destes mananciais. As áreas agrícolas devem ser preparadas com técnicas de conservação do solo. Dependendo de sua declividade, terraceamentos, curvas de nível e outras técnicas devem ser sistematizadas visando reduzir a velocidade de percolação da água e aumento da infiltração.



 Os sistemas de cultivos e criações também devem ser analisados em sua escala. A retirada da floresta para substituição com pastagens ou culturas anuais pode agravar a situação hídrica. Retira-se a floresta que tem a evapotranspiração média diária de 7 mm/dia e se substitui por pastagens ou culturas anuais que tem evapotranspiração média de 3-4 mm/dia. A extensão de monocultivos e pastagens até as margens de rios, lagos e barragens, sem a preservação das matas ciliares e de proteção de nascentes, aumentam a velocidade da água de escorrimento nas épocas chuvosas, causando as enchentes. Pequenas barragens para criatórios de peixes, principalmente combinadas com o desmatamento em regiões serranas, quando se rompem, podem provocar “efeito dominó”, isto é, as mais elevadas rompem as que estão localizadas em uma cota inferior, transformando as enchentes em catástrofes. Nas estiagens, nestas grandes extensões de monocultivo e pastagem, quem ganha velocidade é o vento seco que retira a umidade do solo e das plantações com maior rapidez. Esse cenário é típico de regiões que vem a cada ano experimentando crises de abastecimento de água, com rios, lagos e barragens secando.
Um forte programa de difusão de tecnologias de manejo do solo deve ser executado, especialmente das inúmeras tecnologias de agricultura de baixo carbono (ABC) desenvolvidas pela Embrapa e já em uso por um universo de produtores por todo o Brasil, beneficiários do Programa ABC, tais como o plantio direto, a integração lavouraxpecuáriaxfloresta (ILPF) e outros.
Segundo o ABC Observatório, há certa morosidade na execução do programa. No ano-safra 2011/2012 a linha de crédito agrícola para o Programa ABC cresceu para R$ 3,15 bilhões, com juros de 5,5% ao ano. Desse total, 48% foi utilizado (R$ 1,5 bilhão), significando um aumento de 262% em relação ao ano-safra 2010/2011. Parte dos recursos para o programa foi repassada pelo BNDES ao Banco do Brasil (R$ 1,2 bilhão) e alguns bancos públicos e privados (R$ 300 milhões), alavancando o uso dos recursos. Naquele biênio foram implantados 5.038 projetos, sendo 2.022 na região Sudeste, 870 na região Centro-Oeste e 233 na região Norte. Também foram incorporados os Programas Produsa e o Propflora ao Programa ABC, por meio da Resolução 3.979 do Banco Central, que detalhou as regras de financiamento do programa.
Em 2012/2013, a linha de crédito do Programa ABC foi de R$ 3,4 bilhões, com juros reduzidos a 5% ao ano. Entre julho e dezembro de 2012 houve um aumento de 523% em relação ao mesmo período de 2011. Até janeiro de 2013 foram feitos mais de 4.500 contratos (destes, 2800 em recuperação de pastagens e iLPF), num total de R$ 1,7 bilhão. Embora o crescimento pareça espetacular, esse número de contratos ainda é muito pequeno diante do universo de propriedades que podem e precisam se beneficiar dos créditos disponibilizados pelo Programa ABC.
No meio urbano brasileiro as condições se uso do solo são das mais críticas. Raros os municípios que tem sua ocupação ou planejamento urbano com base em adequado código de postura municipal. As praças públicas, parques e áreas verdes são preteridos em razão da especulação imobiliária. As ocupações desordenadas predominam, sem o acompanhamento da infraestrutura adequada como água tratada e esgoto sanitário. Ao contrario, as condições de infiltração do solo são obstruídas com vias asfaltadas e construções de calcadas até nos quintais no entorno das residências. Áreas alagadas ou pantanosas que deveriam ser destinadas a preservação e retenção de água são inicialmente invadidas por moradias irregulares e depois aterradas, transformando-se posteriormente em cenário de problemas sociais nas enchentes. Uma nova política de reordenamento territorial deve ser concebida e executada. Necessitamos tanto de reforma agrária como de reforma urbana.
O diagnóstico e a análise dos diferentes sistemas de uso do solo, que resultam em indicadores que concorrem para as crises ambientais que vivenciamos, poderiam contribuir para uma nova rota de maior equilíbrio entre o homem e a natureza. O Brasil como nação que dispões da maior quantidade de solos agricultáveis do mundo, não deve, sob a ótica de uma política imediatista e sob o argumento de que necessita produzir para exportar, privar suas futuras gerações de bens tão preciosos e essenciais como solo e água.

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Raimundo Nonato Brabo Alves é Pesquisador da Embrapa 

Fonte: EcoDebate

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