segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A crise da água e as perspectivas futuras


O ano de 2014 no Brasil foi marcado, dentre outras coisas, pela escassez de água. Fenômeno até então pouco conhecido fora dos limites do Norte e do Nordeste do País, a seca chegou ao Sudeste e região.
Fruto da ausência de chuvas, possivelmente associada às mudanças climáticas, outros fatores também contribuíram para a terrível (e ainda não solucionada) situação a que chegamos. A falta de cuidado com a vegetação ciliar onde ela ainda existe é também apontada por especialistas como uma das causas do problema, na medida em que a devastação das áreas circundantes de rios, cursos d’água, lagos, lagoas, reservatórios e similares contribui para o assoreamento e, portanto, para as perdas qualitativas e quantitativas dos elementos hídricos e de suas funções ecológicas.
Por isso, a contundente crítica dirigida ao Novo Código Florestal quando, no particular, reduz os limites de proteção da mata ciliar, já que a faixa de Área de Preservação Permanente (APP) passa a ter a metragem contada a partir da “borda da calha do leito regular” do rio – e não mais do seu “nível mais alto”, como outrora – deixando desguarnecidas áreas alagadiças que exercem importantes funções ambientais.
De todo modo, mesmo no regime florestal anterior, as dificuldades de fazer implementar a legislação ambiental no Brasil sempre foram muitas, a ponto de ter se tornado lugar comum afirmar que o país possui um dos mais bem estruturados sistemas legais de proteção ao meio ambiente do mundo, o qual, contudo, carece de efetividade.
A cultura que se desenvolveu no país nunca foi a da preservação. Por aqui, sempre se preferiu investir na reparação dos danos a propriamente prevenir para que aqueles não acontecessem. No caso dos recursos hídricos, jamais fizemos como os nova-iorquinos: preservar os mananciais para não ter que investir em saneamento. O resultado é conhecido: o povo daquele Estado americano altamente industrializado possui uma das águas de melhor qualidade do planeta.
No Brasil, contudo, a preocupação com a água nunca foi a tônica dos setores público e privado. Exceção feita a poucas iniciativas aqui e acolá, a regra sempre foi a poluição dos elementos hídricos. Desnecessário citar exemplos, infelizmente.
Por outro lado, é incontestável que os instrumentos de comando e controle, tão enaltecidos por muitos, não tiveram o condão de diminuir os efeitos da degradação do meio ambiente. Não fosse assim, o Código Florestal anterior, aliado a uma série de outras normas legais (Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Lei da Mata Atlântica, etc.) teria sido responsável pela redução do desmatamento. Não foi, contudo, o que aconteceu.
Logo, torna-se necessário partir-se para uma nova era. Um tempo em que se passe a investir intensamente na valorização e na recompensa daqueles que realizam serviços ambientais.
A lógica é simples: em vez de simplesmente punir aquele que descumpre a legislação – o que, repita-se, revelou-se ineficaz – remunera-se quem preserva. É uma inversão total daquilo que sempre se praticou no Brasil. Em vez de “poluidor-pagador”, passa-se para a tônica do “protetor-recebedor”.
Iniciativas como essas vão desde a remuneração financeira aos pequenos proprietários rurais que preservam a vegetação que protege as águas, passando por incentivos tributários à preservação ecológica (IPTU verde, ICMS ecológico, redução de IPI para produtos ambientalmente sustentáveis, etc.), maior incentivo financeiro à criação de reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs), estímulo à comercialização de créditos de logística reversa e de cotas de reserva ambiental, entre outros.
Ganham as pessoas, ganha o meio ambiente e ganha a sustentabilidade.
Já está mais do que na hora de se reconhecer que a proteção do meio ambiente não é apenas uma fonte geradora de despesas, mas pode se tornar uma grande oportunidade para se obter recompensas financeiras efetivas, ao mesmo tempo em que se contribui para a melhoria da qualidade ambiental das presentes e futuras gerações.
Marcelo Buzaglo Dantas é advogado, pós-doutor em Direito, consultor jurídico na área ambiental e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ e da Comissão Permanente de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. Também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.

Fonte: Envolverde

15 cientistas divulgam carta aberta sobre a crise hídrica no Sudeste

Quinze renomados cientistas brasileiros de várias áreas – engenharia, ecologia, biologia aquática, climatologia, hidrologia e mudanças climáticas – especializados em recursos hídricos, lançaram, no dia 16 de dezembro, a “Carta de São Paulo”, um documento com análises e recomendações sobre como enfrentar a grave crise hídrica no Sudeste.

A iniciativa foi endossada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e teve a coordenação geral do biólogo e oceanógrafo José Galizia Tundisi. Entre os signatários estão José Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); Carlos Afonso Nobre, climatologista do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Luiz Pinguelli Rosa, secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, entre outros. Também houve a contribuição de promotores do Ministério Público do Estado de São Paulo.

De acordo com o documento, os cientistas constataram que há uma ameaça real à segurança hídrica no Sudeste. "São fortíssimos os indícios de que há uma mudança climática em curso, evidenciada pelas análises de séries históricas de dados climáticos e hidrológicos e projeções de modelos climáticos, com consequências na reservação de água e em todo o planejamento da gestão dos recursos hídricos. Estas mudanças climáticas não são apenas pontuais. Há indicações e fatos que apontam para sua possível continuidade, configurando uma ameaça à segurança hídrica da população da região Sudeste, especialmente da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), do interior de Minas Gerais e do Estado do Rio de Janeiro, de modo que todos devem estar preparados para eventos climáticos, cada vez mais extremos", diz um trecho da Carta.

Os cientistas também apontaram outro grave problema: ar, água e solo poluídos comprometem os usos múltiplos dos recursos hídricos. "A crise hídrica, influenciada pelas alterações climáticas e hidrológicas, é agravada pelas mudanças no uso do solo, pela urbanização intensa, pelo desmatamento em regiões de mananciais e, principalmente, pela falta de saneamento básico e tratamento de esgotos, aumentando a vulnerabilidade da biota terrestre e aquática e das populações humanas", diz o trecho do documento.

O texto também fala que a escassez de água no estado paulista já compromete a economia, saúde pública e produção de alimentos e energia.

A “Carta de São Paulo” recomenda 10 ações às autoridades municipais, estaduais e federais:

- Modificações imediatas no sistema de governança de recursos hídricos;
- Implementação de planos de contingência;
- Drástica redução do consumo de água e outras medidas emergenciais para 2015;
- Investimento imediato em medidas de longo prazo;
- Projetos de saneamento básico e tratamento de esgotos em nível nacional, estadual e municipal;
- Monitoramento de quantidade e qualidade da água;
- Proteção, conservação e recuperação da biodiversidade;
- Reconhecimento público e conscientização social da amplitude da crise;
- Ações de divulgação e informação de amplo espectro e
- Capacitação de gestores com visão sistêmica e interdisciplinar.

Fonte: Instituto Akatu e site www.akatu.org.br.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

BRASIL INVESTE 0,11% DO PIB EM SANEAMENTO, DIZ OMS

ENTRE AS NAÇÕES EM DESENVOLVIMENTO, BRASIL É O QUE MAIS INVESTE EM SANEAMENTO BÁSICO E ACESSO À ÁGUA POTÁVEL - MAS PECA NA EXECUÇÃO DOS PROJETOS


Um levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que o Brasil é o país que mais investe em saneamento básico acesso à água potável entrenações que ainda estão em desenvolvimento - um total de US$ 11,7 bilhões.Os números são relativos a 2012 e fazem parte do Relatório de Análise Global e Avaliação de Água Potável e Saneamento (Glaas, na sigla em inglês), que reúne dados de 93 países da América, África e Ásia. No entanto, em relação ao Produto Interno Bruto, os recursos deixam a desejar e representam apenas 0,11%, a quarta pior marca, na frente só de Sérvia (0,06%), Cuba (0,02%) e Uruguai (0%).
Essa é a segunda vez que o Brasil faz parte do levantamento. Em relação a 2012, o Brasil se manteve estável nos recursos para saneamento, água potável e higiene, investindo cerca de 75% do necessário para o setor. De acordo com o relatório, 59% dos gastossão para aumentar o porcentual de água potável disponível para a população.
O principal gargalo apresentado pela pesquisa não é a falta de recursos no país, mas sim a má utilização pelo poder público. Menos de 50% do planejamento orçamentário para o orçamento é executado, revertendo em obras e investimento no setor. Nesse patamar, a implementação de um serviço adequado para a população se torna "insuficiente", de acordo com o levantamento.
O Brasil é o terceiro país onde o usuário da água mais contribui com o investimento em saneamento básico. Cerca de 78% do valor investido pelo governo sai do bolso do consumidor. Apenas no Uruguai (81%) e na Colômbia (80%) esse patamar é maior.
Melhorias
Em nível mundial, o estudo mostrou que 748 milhões de pessoas não tem acesso a água potável de forma sustentada em todo o mundo e calcula-se que outros 1,8 bilhão usem uma fonte que está contaminada com fezes. Segundo a OMS, 2,5 bilhões de pessoas não têm acesso a saneamento adequado e que 1 bilhão defecam ao ar livre, nove em cada dez, em áreas rurais.

Os investimentos em saneamento e água potável registraram crescimento de 30% entre 2010 e 2012, passando de US$ 8,3 bilhões para 10,9 bilhões em recursos. Esse aumento fez, por exemplo, 2,3 bilhões de pessoas terem acesso a fontes diárias de água potável no mundo. Além disso, caiu a proporção de crianças que morrem por doenças ligadas à má qualidade da água: de 1,5 milhão para cerca de 600 mil ao ano.

Fonte: Epoca

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Crise hídrica de São Paulo passa pelo agronegócio, desperdício e privatização da água


Por Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, da redação do Correio da Cidadania

Para muitos, o racionamento de água em São Paulo já é uma realidade líquida e certa. Resta saber até quando políticos ganharão tempo para escondê-la ou se a população agirá, a ponto de, quem sabe, se repetirem as chamadas ‘guerras da água’, já vistas em locais onde os serviços hídricos e sanitários foram privatizados. De toda forma, o assunto não é passageiro e exige toda uma reflexão a respeito dos atuais modelos de vida e economia.
“Em primeiro lugar, é preciso reeducar a população a reduzir o consumo. As empresas também, pois quando se fala em redução de consumo parece que só a população consome. Mas, no Brasil, 70% da água é consumida pela agricultura, 22%, pela indústria e 8%, pelas residências. E quando se fala em redução de consumo, só se fala dos 8%, mas não dos 92%”, afirmou Marzeni Pereira, tecnólogo em saneamento da Sabesp, em entrevista ao Correio da Cidadania.
Na conversa, Marzeni elenca uma série de razões históricas, desde as locais até as mais abrangentes, que levaram São Paulo à atual crise hídrica, cujas consequências ainda não foram quantificadas. Trata-se de mais um fracasso do modelo de gestão privatista, de mãos dadas com um projeto desenvolvimentista que tem gerado mudanças ambientais em todos os grandes biomas do país.
“A Sabesp é a empresa mais preparada do Brasil para gerir o sistema de saneamento. Tem o melhor corpo técnico, a melhor estrutura etc. O problema principal é justamente a administração voltada ao mercado e ao lucro. Além disso, a empresa, sem dúvida, vem sofrendo sucateamento. Em 2004, tinha 18 mil trabalhadores e sua base de atuação era menor. Hoje, a empresa tem menos de 14 mil. A terceirização é um dos principais problemas, por exemplo, na perda de água”, explicou, em relação ao contexto paulista.
Por outro lado, Marzeni não deixou de fora toda a relação com um modelo já há décadas hegemônico. “No ano passado, em torno somente de soja, carne, milho e café, o Brasil exportou cerca de 200 bilhões de m³ de água. Significa abastecer São Paulo por quase 100 anos. A umidade atmosférica, mantida através dos chamados ‘rios voadores’, que vêm do Norte do Brasil e precisam da continuidade da vegetação, foi reduzida. A atuação do agronegócio, quem mais desmata, teve influência em SP. E teve também o desmatamento de todo o centro-oeste do estado”, resumiu.
A entrevista completa com Marzeni Pereira, realizada nos estúdios da webrádio Central3, pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Qual o resumo que você faz, num breve histórico, das origens e razões da crise da água no estado de São Paulo?
Marzeni Pereira: Podemos dizer que o histórico da crise de água em São Paulo tem bastante tempo. Em 2003, por exemplo, o sistema Cantareira chegou próximo de zero, com menos de 5% de sua capacidade de armazenamento e todo o sistema de saneamento quase entrou em colapso. Houve um princípio de racionamento, com a Operação Pajé (na qual se bombardeavam nuvens e se pulverizava sua água).
Nesse período, foi elaborado um plano para que o saneamento de São Paulo dependesse menos do Cantareira, ao ser assinada uma outorga com vistas a reduzir a dependência do reservatório – o que mais abastece a capital e a região metropolitana. De lá pra cá, a ideia era reduzir perdas, aumentar o reuso e encontrar novas formas de abastecimento, por outros mananciais. Isso não aconteceu.
Em 2004 e 2005, houve uma recuperação da reservação de água; em 2009, houve um pico, com quase 100% das represas cheias. Em 2009, houve um período de enchentes, como a do Jardim Pantanal (zona leste); e em 2011, teve a enchente de Franco da Rocha, por conta da abertura da represa Paiva Castro. Mas, de toda forma, não houve redução da participação do sistema Cantareira. As perdas caíram, mas não o suficiente para suprir a demanda, que cresceu. Não houve, portanto, contrapartida suficiente na disponibilidade de água. Esse é o principal problema.
Outro ponto é que tivemos, recentemente, em 2013 e 2014, uma estiagem bastante forte, apesar de curta, comparando com outras regiões do Brasil, com 5 ou 10 anos de estiagem. Aqui são menos de dois anos, de modo que não era pra estarmos na atual situação.
Neste ano, também teve outro problema: com eleições e Copa do Mundo, havia a necessidade de o governo manter sua imagem em alta. Por isso, não se tomaram medidas para reduzir o consumo de água a partir de janeiro e fevereiro de 2014.
Correio da Cidadania: Qual o papel da Sabesp, com seu modelo de gestão, nesse processo?
Marzeni Pereira: A Sabesp é a empresa mais preparada do Brasil para gerir o sistema de saneamento. Tem o melhor corpo técnico, a melhor estrutura etc. O problema principal é justamente a administração voltada ao mercado e ao lucro. Outra coisa é a dependência das influências diretas do governador e dos acionistas privados.
Além disso, a empresa, sem dúvida, vem sofrendo sucateamento e redução da sua capacidade de trabalho. Em 2004, a Sabesp tinha 18 mil trabalhadores e sua base de atuação era menor. Hoje, a empresa tem menos de 14 mil, uma redução de cerca de 20% do quadro. Isso influencia, certamente.
Outra coisa é que, a partir do momento em que se reduz o número de trabalhadores diretos, há a necessidade de terceirizar serviços. A terceirização é um dos principais problemas, por exemplo, na perda de água. Porque o serviço é mal feito, o cara faz num dia e no outro dia já vaza de novo… Significa que o serviço tem de ser feito várias vezes, e aí temos mais perdas.
É uma lógica adotada nos últimos 20 anos: a empresa depender de outras empresas privadas. Hoje, as empresas privadas têm muita influência no dia a dia da Sabesp. Portanto, é claro que o modelo de gestão tem tudo a ver com a crise.
Correio da Cidadania: Como dimensiona a crise da água no país como um todo, em si e relativamente a São Paulo? Em que medida a destruição dos biomas do Cerrado e amazônico explicam a grave situação que vivemos?
Marzeni Pereira: A estiagem em São Paulo, com certeza, tem relação com o desmatamento da Amazônia e do Cerrado. Obviamente, sempre que há desmatamento se reduz a evaporação de água pela evapotranspiração das árvores. O Cerrado brasileiro sofreu muito com a devastação promovida pelo agronegócio.
Para se ter ideia, no ano passado, em torno somente de quatro produtos (soja, carne, milho e café), o Brasil exportou cerca de 200 bilhões de metros cúbicos de água. Não produziu, apenas exportou, ‘água virtual’, como se diz. Tal número significa abastecer São Paulo por quase 100 anos, apenas com a quantidade de água gasta por esses quatro produtos.
Outro problema é que houve redução da quantidade de água superficial. À medida que há uma degradação, tanto pela remoção da vegetação como pela irrigação intensiva de larga escala, reduzem-se os afluentes dos grandes rios, como os amazônicos e o São Francisco, que já está sofrendo muito com a redução da água.
A umidade atmosférica, mantida através dos chamados “rios voadores”, que vêm do Norte do Brasil e precisam da continuidade da vegetação, foi reduzida. A atuação do agronegócio, quem mais desmata no Brasil, teve influência em São Paulo.
Mas não é só isso. Teve também o desmatamento de todo o centro-oeste do estado de São Paulo. Praticamente toda a vegetação de tal região foi removida, para plantios de cana, eucalipto, laranja etc. A redução dessa vegetação também tem influência. A redução das matas ciliares dos rios que abastecem as represas é outro fator, pois provoca o assoreamento e um secamento mais rápido.
Correio da Cidadania: O que pensa dos primeiros protestos que começam a ser organizados, ou que ocorrem até espontaneamente, em torno à água, a exemplo do que tem ocorrido em cidades como Itu? Acredita que possam crescer a ponto de se tornarem massivos, e até mesmo reproduzirem as chamadas “guerras da água” que ocorreram em vários países?
Marzeni Pereira: Itu é um caso bastante emblemático. Lá, a gestão da água é de uma empresa privada, que vendeu água até acabar. E há o risco de a empresa abandonar a cidade quando a água acabar de vez e começar o prejuízo. Afinal, ela está lá atrás de lucro, não para fazer serviço filantrópico. Esse é o grande risco de o setor privado atuar no saneamento. Temos de combatê-lo.
Quanto aos protestos, são iniciativas interessantes da população. Ela tem de fazer parte da vida política do país, não pode ficar omissa em casa. É importante ter pauta de reivindicações, um programa a ser apresentado no momento. As manifestações ainda estão tímidas, mas acredito que a tendência é de ganharem força.
Mesmo porque a previsão para 2015 é de faltar mais água. Se não chover muito nesse verão, a coisa será pior. Portanto, há tendência de aumento de protestos no ano que vem. Como cidadão, já estou participando, como nos dias 1 e 5. São manifestações importantes e precisam continuar.
Correio da Cidadania: Nesse sentido, como acredita que será o ano de 2015 em São Paulo, especialmente no que toca a vida do cidadão médio? O racionamento, que de fato já ocorre, vai ser intensificado?
Marzeni Pereira: Na realidade, ainda não existe racionamento. O que é racionamento? É a definição de quanto cada pessoa, ou família, pode usar. Seria, por exemplo, definir uma cota de 150 litros por dia. Isso é racionamento. Existe outro modelo, o rodízio, que é quando se joga água de uma região para outra. Num dia, um local fica sem água e outro a recebe. Portanto, há diferença entre um e outro tipo de política.
Inclusive, penso que o racionamento tem de ser adotado, especialmente quando a situação se acirrar. Se não, alguns terão água e outros não, como acontece no rodízio. Quem tem caixa d’água ou um reservatório grande em casa não fica sem água. Quem não tem, fica sem. Imagine uma pessoa que sai de casa às 8 da manhã e volta às 10 da noite. Se não tiver caixa d’água, não toma banho. O rodízio é injusto pra quem não tem condição de comprar caixa d´água grande.
Em relação ao ano que vem, observamos que a recuperação do reservatório do Cantareira, nos últimos 10 anos, tem sido, em média, de 23%. Se, por exemplo, está em 10% em outubro, quando chegar a março deverá estar com 30% ou 40%. E essa marca não tem sido ultrapassada, com exceção de 2004 e 2008.
O problema é que neste ano estamos com 17% negativos. O volume operacional acabou em 15 maio; de lá pra cá, está sendo usado o volume morto. Se o reservatório recuperar 20% do volume, no final do período de chuvas não teremos mais de 5% de volume operacional. Se não tiver chuva em abril, quando normalmente ela é escassa, esses 5% durariam uns 30 dias, o que nos faria voltar a usar o volume morto em maio. Há um risco de usarmos o volume morto do Cantareira bem antes do período em que começamos a usar em 2014.
Correio da Cidadania: Finalmente, o que pensa que poderiam ser soluções tanto a curto, dada a gravidade da situação, como a médio e longo prazos?
Marzeni Pereira: A principal solução é chover. Se chover, tudo se resolve. Torcemos pra isso; de fato, caso contrário, a população vai sofrer. Se não chover, temos de tomar algumas medidas (na verdade, mesmo que chova, teremos que tomá-las).
Em primeiro lugar, é preciso reeducar a população a reduzir o consumo. As empresas também, pois quando se fala em redução de consumo parece que só a população consome. Mas, no Brasil, 70% da água é consumida pela agricultura, 22%, pela indústria e 8%, pelas residências. E quando se fala em redução de consumo, só se fala dos 8%, mas não dos 92%.
A região metropolitana de São Paulo não tem muito peso da agricultura, mas tem da indústria. Precisa reduzir o consumo residencial e industrial. Precisa também de uma forte redução de perdas. Precisa de uma orientação sem meio termo para a população. Não pode ser como hoje, o governo e a Sabesp têm de falar mais claramente à população de como a situação é grave, além de esclarecer se precisamos fazer rodízio, racionamento ou as duas coisas juntas.
Há a necessidade de definir as atividades humanas básicas que terão suprimento de água garantido, como hospitais, escolas, creches. Quanto à população de baixa renda, com menos condição de comprar caixa d’água, seria necessário o governo distribuir tais caixas, distribuir filtros de hipoclorito, porque muita gente vai usar água de mina se precisar, o que traz risco de contaminação. Em caso de falta de água generalizada e uso de carros-pipa, tem que se saber como aqueles que não têm caixa poderão armazená-la.
Outro ponto é em relação ao emprego. Se de fato se concretizar a previsão, ou seja, se ocorrer falta de água generalizada em 2015, muitas empresas vão fechar, ao menos temporariamente, ou se mudar. Se não tiver política de estabilidade no emprego, pode ser uma catástrofe.
Também se deve incentivar uso de água de chuva e reuso. Pouco se fala em coletar água de chuva. Se a população fizesse isso, e reduzisse ao menos 10% do consumo, teríamos cerca de 5 metros cúbicos por segundo de economia de água. Isso equivale ao novo sistema que a Sabesp constrói agora, o São Lourenço, que custará 2 bilhões de reais.
Finalmente, é necessário estatizar o saneamento – não a Sabesp, mas o próprio saneamento. Não tem sentido um serviço tão importante quanto esse na mão de quem quer lucro. Mas a estatização não pode ficar na mão do governo, com empresários controlando por dentro. É preciso controle dos trabalhadores. Além de uma comissão e investigação populares, que apurem responsabilidades. É preciso coletar e tratar mais esgoto, usando tal água em atividades, principalmente, industriais, pois há uma série de usos possíveis com a água de esgoto.
Recuperar mananciais é outro ponto importante. Se isso não for feito, as consequências futuras podem ser mais graves. O Rodoanel passou pelos mananciais, o que mostra como não se deu importância a eles. Pessoas que moram em áreas de mananciais precisam sair de lá, através de negociações sérias, com plano habitacional. Com casa garantida, claro, ao invés de serem retiradas como lixo.
Há uma série de ações possíveis no médio e curto prazo. Mas têm de ser feitas em diálogos com a população, se não os interesses pelo lucro vão falar mais alto.

Fonte:EcoDebate

Para especialistas, causas da seca vão além do desmatamento na Amazônia

Fernando Caulyt, da Deutsche Welle


O Sudeste passa pela pior seca dos últimos 80 anos, com mais 130 municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais afetados. Um relatório recente, apoiado pela ONG WWF Brasil, apontou o desmatamento na Amazônia como uma possível causa para o fenômeno – e a conseguinte crise da água. Especialistas ouvidos pela DW, porém, dizem que os motivos vão além.
Ainda não há um estudo científico que comprove a relação direta entre desmatamento e seca. E estudiosos são céticos em fazer essa ligação, sobretudo porque a queda na precipitação em 2014 está fora da proporção na comparação com o aumento da área desmatada no último ano – em 2013 ela atingiu um total de 763 quilômetros quadrados.
Apesar de pesquisadores concordarem sobre a importância da Amazônia na regulação do clima para todo o país, a contribuição do desmatamento para a atual seca é controversa.
Devido à capacidade das árvores de absorver água do solo, a floresta amazônica possui um importante papel para a regulação do clima na América do Sul. Ela libera umidade para atmosfera, mantendo o ar em movimento e levando chuvas para o continente.
A umidade é exportada para regiões distantes pelos chamados “rios voadores” – sistemas aéreos de vapor – irrigando áreas no Sul, Sudeste, Centro-Oeste do Brasil, além de Bolívia, Paraguai e Argentina.
Esse papel já foi comprovado por diversos estudos. E foi reforçado por um relatório que reuniu artigos sobre o potencial climático da floresta divulgado no final de outubro pela Articulação Regional Amazônica (ARA), como o apoio da WWF Brasil.
O documento, porém, vai além. E aponta que o desmatamento na região pode ter um impacto significativo sobre o clima próximo e também distante da Amazônia, ao reduzir a transpiração da floresta e modificar a dinâmica de nuvens e chuvas no continente.
“Não posso colocar toda a culpa na Amazônia, mas há uma combinação de efeitos, e o desmatamento é em parte responsável. Há também uma oscilação natural e as mudanças climáticas provocadas pelos homens”, afirma Claudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônia Viva da WWF.
Maretti diz que os efeitos do aquecimento global pioram com o desmatamento na região, que aumenta as emissões de CO2 na atmosfera.
Para Pedro Telles, coordenador de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, a destruição da floresta é um dos fatores que contribuiu para causar a atual seca, mas não é o principal. “O principal fator da crise da água em São Paulo é a má gestão. Há anos já se sabia que o Sistema Cantareira tinha limitações e possivelmente chegaria a uma situação de crise e esgotamento. Há problemas na distribuição da água, o desperdício nessa etapa ultrapassa 30%, além da pouca preservação da área de manancial. Mas esses fatores nunca foram tratados adequadamente”, afirma Telles.
O biólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), também é ponderado ao relacionar a seca ao desmatamento. Ele afirma que pode haver uma relação entre os dois, devido ao papel climático da floresta, mas evita apontá-lo como a causa principal. “Não temos dados para explicar uma queda de precipitação tão drástica somente por esse efeito. A queda na precipitação no corrente ano está muito fora da proporção em relação ao aumento da área desmatada de 2013 para 2014″, completa Fearnside.
Entre a comunidade científica é quase unânime a importância da Amazônia para as chuvas no continente. No entanto, há divergências sobre sua relação com a estiagem.
“Não dá para dizer que o desmatamento da Amazônia é responsável pela estiagem no Sudeste, porque não existe nenhum estudo científico que comprove essa relação direta”, afirma o meteorologista Gilvan Sampaio, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O meteorologista da USP Tercio Ambrizzi é da mesma opinião. “É muito difícil associar a atual seca com o desmatamento. Ele causa impacto, mas numa variabilidade de mais longo prazo e contribui para as mudanças climáticas”, reforça.
Sampaio lembra que a seca foi causada pelo predomínio de uma intensa massa de ar seco sobre o estado de São Paulo durante o verão, que bloqueou as frentes frias vindas do sul trazendo as chuvas.
Além disso, as mudanças climáticas podem estar contribuindo para a situação atual. “A seca pode ser caracterizada com um desses extremos e pode ser já uma resposta às mudanças climáticas, mas não ocorre somente por isso”, completa Ambrizzi.
Com chuvas abaixo da média, o volume de água em importantes rios e represas do Sudeste, como o rio Paraíba do Sul, a nascente do São Francisco e o Sistema Cantareira, diminuiu drasticamente. O abastecimento hídrico em várias cidades está comprometido.
A estiagem também contribuiu para aumentar o número de incêndios florestais no Sudeste. Entre em janeiro e novembro deste ano, os focos de incêndios aumentaram 275% no Rio de Janeiro, 150% em São Paulo e 135% em Minas Gerais, em relação ao mesmo período de 2013.

Fonte: Mercado Ético

terça-feira, 15 de julho de 2014

Água no Brasil


Por: Wolfgang J. Junk, Maria Teresa Fernandez Piedade e Ennio Candotti


O problema da disponibilidade da água no Brasil ganha, mais uma vez, as manchetes. Neste início de 2014, após inundações catastróficas em parte do Sudeste e na área central do país, além da inundação secular que atingiu por alguns meses Rondônia, Acre e partes de Mato Grosso, a seca se abateu não no Nordeste, como historicamente acontece, mas no próprio Sudeste. A escassez de água no sistema de represas da Cantareira, em São Paulo, criou cenários alarmantes para o abastecimento da capital e de sua região metropolitana.

Para acalmar a população, autoridades dizem, reiteradas vezes, que não haverá racionamento de água na região de São Paulo e que grande parte do problema se deve à falta de chuvas e ao desperdício. No extremo oposto do país, a inundação que levou ao transbordamento do rio Madeira foi atribuída a uma intensidade excepcional de chuvas na cordilheira dos Andes, eximindo de qualquer responsabilidade as companhias elétricas gestoras das represas de Jirau e Santo Antônio. Foi esquecido que, logo no início da enchente, os administradores das duas represas culparam um ao outro pela falta de previsão dos efeitos de chuvas pesadas.

O governo, naturalmente, assumiu o compromisso de financiar ajuda imediata para as vítimas. Essa ajuda é obviamente necessária, mas não trará soluções se não vier acoplada a ações para solucionar o problema em médio e longo prazos. O conhecimento científico acumulado e a tecnologia existente já não permitem mais culpar a natureza pelas catástrofes anunciadas. A raiz do problema é mais profunda.

Nas várias leis federais que regulam o uso da água no Brasil, é encontrado com frequência o termo técnico ‘recursos hídricos’, mas este não é definido. Quais são os recursos hídricos brasileiros? Na discussão sobre o novo Código Florestal, entre 2011 e 2012, não foi considerado o impacto de várias alterações relacionadas à questão dos recursos hídricos. Descartou-se, por exemplo, o argumento de que as chamadas áreas úmidas atuam como esponjas, estocando água em excesso em períodos de chuva e liberando essa água durante épocas secas. Os alertas dos cientistas de que a nova versão dessa lei reduziria dramaticamente a proteção das áreas úmidas não foram considerados, alegando-se que não existia uma definição brasileira do termo.

Diante das pressões do agronegócio, foi modificado, no novo Código Florestal, o marco regulatório para a proteção das margens dos rios. Esse marco passou a ser o ‘nível regular’ da água (ou seja, a calha normal do rio), enquanto no Código anterior era a média dos níveis máximos das cheias. A história mostra que as catástrofes econômicas e sociais ocorrem sempre durante as secas e inundações extremas, e que enchentes grandes atingem com maior frequência a população mais pobre, que ocupa as áreas de risco, mais próximas dos rios, por falta de outras opções.

Inundações e secas catastróficas vêm sendo aceitas pela maioria dos políticos como forças superiores, fora de seu controle. Na realidade, a legislação brasileira que regula o manejo e a proteção dos recursos hídricos é inadequada, permitindo variadas interpretações, conforme o interesse de grupos econômicos.

O novo Código Florestal, apoiado pelo agronegócio, permite a destruição acelerada das áreas úmidas, fundamentais no ciclo hidrológico, e abre caminho para a colonização, pela população de baixa renda, de grande extensão de áreas sujeitas ao risco de inundações catastróficas. Essa população cobra do governo indenizações, quando vitimada, o que significa dizer que os lucros dos grupos interessados na ocupação das terras das áreas úmidas vão para a iniciativa privada, mas os prejuízos recaem sobre os cofres públicos, ou seja, sobre o conjunto dos contribuintes.

Há saída? 

Afinal, qual é a saída para o problema? Em primeiro lugar, é urgente que o Brasil atualize sua legislação sobre o manejo de seus recursos hídricos, incluindo no texto legal as áreas úmidas como parte importantíssima do ciclo hidrológico. Para isso, é necessária uma definição oficial, cientificamente correta, do termo ‘recursos hídricos’.

Tal definição já foi feita por um grupo de especialistas e encaminhada, no final de 2013, ao Ministério do Meio Ambiente (MMA): “Recursos hídricos abrangem a água de chuva e todos os corpos de água, naturais e artificiais, superficiais e subterrâneos, continentais, costeiros e marinhos, de água doce, salobra e salgada, parados (lagos e águas represadas) e correntes (rios – intermitentes, efêmeros ou perenes – e seus afluentes, hidrovias e canais artificiais), e todos os tipos de áreas úmidas, permanentes e temporárias”. O estudo foi publicado em Aquatic Conservation, v. 24, p. 5, 2014.

Além disso, é preciso definir e delinear as áreas úmidas do país. No mesmo trabalho, o grupo de especialistas também propõe uma definição para a extensão das áreas úmidas: “A extensão de uma área úmida é determinada pelo limite da inundação rasa ou do encharcamento permanente ou periódico, ou, no caso de áreas sujeitas aos pulsos de inundação, pelo limite da influência das inundações médias máximas, incluindo-se aí, se existentes, áreas permanentemente secas em seu interior, hábitats vitais para a manutenção da integridade funcional e da biodiversidade das mesmas. Os limites externos são indicados pela ausência de solo hidromórfico e/ou pela ausência permanente ou periódica de hidrófitas e/ou de espécies lenhosas adaptadas a solos periodicamente encharcados”. Falta aplicar essas definições na legislação nacional.

O Brasil necessita ainda classificar suas áreas úmidas, trabalho parcialmente feito ou em andamento. Sabe-se que cerca de 20% do território brasileiro corresponde a áreas úmidas, diferentemente de dados anteriores que indicavam apenas entre 4% e 7%. Esse conhecimento deve ser introduzido nas leis. 

Falta realizar um levantamento detalhado dos macro-hábitats das áreas úmidas brasileiras, incluindo sua descrição ecológica. Essa tarefa é difícil e precisa do apoio do governo, pois a maioria das áreas úmidas é de pequeno porte e seu levantamento é demorado e caro, mas vital.

Finalmente, é necessária uma legislação específica para o manejo sustentável e a proteção das áreas úmidas. Essa tarefa é multidisciplinar e exige a liderança de um ministério – por exemplo, o do Meio Ambiente, com seu braço prático, a Agência Nacional de Águas. Os cientistas já têm dados à disposição e estão plenamente interessados em cooperar nessa tarefa importantíssima.
Enquanto esses problemas não forem resolvidos, continuaremos a sofrer secas e inundações dramáticas, além da falta de água potável, com danos econômicos e sociais crescentes. Quadro incompatível com o país que detém o maior sistema fluvial do mundo!

Wolfgang J. Junk
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (INAU)
Universidade Federal de Mato Grosso
Maria Teresa Fernandez PiedadeInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)
Ennio CandottiMuseu da Amazônia


Fonte: Instituto Ciência Hoje




A última gota

Por Malu Nunes



A crise no Sistema Cantareira, que abastece 9,86 milhões de pessoas na Grande São Paulo e no interior, é um exemplo concreto de que o abastecimento de água pode ficar comprometido também em outras cidades do Brasil. Ainda que tenhamos uma visão otimista, os últimos episódios de seca no Sudeste e no Sul, que deixaram alguns reservatórios de água dessas regiões em níveis críticos, mostram claramente que há urgência na implantação de ações de conservação para a manutenção dos recursos hídricos no país.

De acordo com o Atlas do Brasil de abastecimento urbano de água, produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA) em 2010, a capacidade total dos sistemas produtores instalados e em operação no país era de aproximadamente 587 m³/s há quatro anos, próxima das demandas máximas verificadas na época, que eram de 543 m³/s. Esses dados demonstram que grande parte das unidades estava no limite máximo de sua capacidade operacional, sendo que a região Sudeste representava 51% da capacidade instalada de produção de água no país.

Atualmente, as duas maiores regiões metropolitanas do Sudeste – Rio de Janeiro e São Paulo – têm o abastecimento de água garantido porque é realizada a transferência de grandes vazões de mananciais localizados em bacias hidrográficas próximas. Para o abastecimento da capital fluminense, é utilizada a bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul; enquanto a capital paulista se serve da bacia hidrográfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. As duas bacias são responsáveis pelas maiores reversões hídricas para os sistemas Guandu (RJ) e Cantareira (SP), respectivamente. São duas fontes que começam a ficar saturadas porque servem a milhares de consumidores – ambas regiões concentram grande densidade populacional, gerando consumo de água muito maior do que a capacidade produtiva dessas bacias. Desse modo, fica mais próximo o risco de os consumidores abrirem as torneiras e não verem a água escorrer.

Não podemos credenciar, porém, os motivos para a crise de abastecimento somente ao consumo excessivo e ao mau uso da água por parte da população. Seria ingênuo atribuir a esses dois fatores apenas, pois a questão é mais complexa: vai desde a falta de políticas públicas que incentivem a proteção dos mananciais de água ao desmatamento de áreas naturais, o qual altera o ciclo da água e a variabilidade de chuvas nas regiões onde antes predominavam.

É necessário avaliar ciclo da água de modo global: a perda de áreas com vegetação nativa em todos os biomas do país afeta a disponibilidade de água não só em níveis locais, mas também em regiões distantes. O Cerrado, por exemplo, é conhecido como a ‘caixa d’água’ do Brasil, uma vez que concentra oito das 12 bacias hidrográficas do país e possui alta concentração de nascentes de rios que abastecem outras regiões brasileiras. No caso da Amazônia, há o fenômeno dos “rios voadores”, grandes massas de vapor de água que se formam no Oceano Atlântico e aumentam de volume ao incorporar a umidade evaporada pela floresta. Levados pelas correntes de ar em direção ao Sul do país, elas são importantes para a formação de chuvas em diversas regiões. Portanto, o aumento no desmatamento da Amazônia, que após quatro anos em queda voltou a subir em 2013, pode reduzir os índices pluviométricos em outras regiões.

As áreas naturais possuem grande importância na regulação dos recursos hídricos. Sem elas, a água não realiza o seu ciclo natural, que inclui a evaporação, formação das nuvens e das chuvas nas cabeceiras dos rios que alimentam as bacias hidrográficas do país, causando desequilíbrio.

É essa situação que acontece no caso do Sistema Cantareira, considerado um dos maiores sistemas produtores de água do mundo. Ele é formado por seis represas interligadas por 48 km túneis que aproveitam os desníveis e a acumulação da água por gravidade para a formação de reservatórios. Os rios que formam as represas do Sistema são o Jacareí e o Jaguari - cujas nascentes estão localizadas em Minas Gerais - e mais os rios Cachoeira de Piracaia, Atibainha e Juqueri, cujas nascentes estão em São Paulo. É nas cabeceiras desses rios que as chuvas têm caído pouco, mesmo no período das cheias que vai de novembro a março no Sudeste.

Os índices pluviométricos abaixo da média histórica nas cabeceiras reduziram os fluxos de água nos rios que abastecem o Sistema Cantareira, de modo que os níveis de suas represas começaram a baixar rapidamente. A redução da disponibilidade hídrica resultou na crise de abastecimento à população.
E agora, o que fazer diante dessa grave situação? Os governos federal, estaduais e municipais precisam buscar mecanismos para melhorar a gestão da água e garantir a segurança hídrica. Esse conceito representa o direito da população de ter acesso à água de boa qualidade e em quantidade suficiente para garantir a sua subsistência, bem-estar e o desenvolvimento socioeconômico do país.

No Brasil, faz-se necessária ainda a construção de uma forte aliança entre os diversos setores da sociedade - iniciativa privada, organizações não governamentais, população e poder público - como parte de um esforço global para proteção dos recursos naturais. Proteção que passa pela criação e implementação de Unidades de Conservação, áreas protegidas primordiais para garantir a conservação dos recursos naturais e dos serviços ambientais que essas áreas proporcionam, entre eles a produção de água em qualidade e quantidade adequadas.

Como a agropecuária têm importante papel na economia brasileira, no ranking do consumo de água o setor agrícola ocupa o primeiro lugar, sendo responsável por 70% do consumo nacional (20% é usado pela indústria e 10% pelos consumidores finais). Por isso, é fundamental proteger as matas ciliares e as nascentes dos rios também em propriedades rurais, evitando a poluição e o assoreamento dos rios e assegurando margens arborizadas, de modo que a água infiltre lentamente o solo e possa cumprir o seu ciclo, de maneira regular. Nesse contexto, é importante a manutenção de reservas legais e das Áreas de Proteção Permanente (APPs), com a função ambiental de conservar os recursos hídricos e a manutenção dos processos ecológicos.

Está mais do que na hora de todos os setores conscientizarem-se de que o problema de escassez da água não é somente de São Paulo – é hoje o mais grave. Caso contrário, a nossa desatenção pode ser a gota d’água. O desafio consiste em como garantir o abastecimento às grandes cidades brasileiras nos próximos anos, uma vez que é previsto crescimento populacional e, consequentemente, aumento das demandas de consumo. São necessários investimentos urgentes para a adequação dos sistemas produtores de água, sobretudo no Sudeste, e planejamento para otimização de uso das fontes hídricas. Além disso, a proteção de áreas naturais é condição sine qua non, pois a qualidade e a quantidade de água produzidas pela natureza dependem da manutenção da vegetação nativa.

(*) Malu Nunes é engenheira florestal e diretora-executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

Fonte:Plurale

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Setor de Resíduos Sólidos investiu US$ 20,9 bilhões em 2013



O ano de 2013 se encerrou com um dado importante para o avanço da consciência sustentável a nível global: de acordo com um estudo realizado pela ISWA (International Solid Waste Association), a principal organização internacional de resíduos sólidos que tem a ABRELPE - Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais como representante no Brasil, o mercado de resíduos sólidos investiu 20,9 bilhões de dólares no período. Além disso, foram realizados mais de mil projetos envolvendo waste-to-energy (recuperação energética de resíduos), processamento, geração de energia a partir de biomassa e reciclagem de resíduos. Para 2014, as notícias são ainda melhores: já estão confirmados investimentos de 11,9 bilhões no setor e, segundo o presidente da ISWA, David Newman, o valor total deve atingir a casa dos 30 bilhões até o final deste ano.
   
Os dados levantados pela ISWA demonstram que, dos projetos na área desenvolvidos no mundo, 30% envolvem a questão das tecnologias waste-to-energy(que absorveram cerca de 11,3 bilhões de dólares no ano passado).
Logo depois, abrangendo 16,4% dos projetos, se inserem as iniciativas de geração de energia a partir da biomassa. O alto investimento neste mercado em 2013 teve como uma de suas razões o fato de que o segmento de resíduos sólidos foi responsável por 8% das emissões totais de CO2. Neste sentido, inúmeros empreendedores têm apresentado uma preocupação crescente acerca da problemática, fator que influencia na decisão por investir em projetos voltados para a redução da emissão de gases de efeito estufa.
Os projetos de outras tecnologias de processamento e de reciclagem de resíduos retiveram, respectivamente, 12,4% e 12,1% do valor investido. O restante dos projetos, que foram contemplados com 29,8% do investimento, dizem respeito a outros métodos de tratamento e destinação final de resíduos sólidos.
Diante deste cenário promissor, vale ressaltar que o Brasil sediará o Congresso Mundial de Resíduos Sólidos em setembro, quando serão propostos debates relativos à temática “Soluções Sustentáveis para um Futuro Saudável”. O evento será promovido e trazido ao país pelo próprio presidente da ISWA.

Demanda x investimentos

Apesar do crescimento considerável dos investimentos no setor de resíduos sólidos, é importante ressaltar que o valor ainda não atende completamente às demandas da geração destes materiais, principalmente quando o assunto são os países em desenvolvimento. De fato, o valor investido no mercado apresenta uma média de aumento de 70% ao ano, mas não acompanha o aumento do ritmo anual no qual os resíduos são gerados.
Para se ter uma ideia, 50% da população do planeta ainda não conta nem com sistemas de coleta de resíduos. Neste contexto, uma necessidade enfatizada por David Newman é a instituição de fundos específicos para custear a gestão integrada de resíduos sólidos, com destaque especial para os referidos países em desenvolvimento, que sofrem com problemas graves de déficit de gestão.

Panorama brasileiro 

O Brasil é um exemplo claro do descompasso que ainda persiste entre o nível de investimentos e as demandas relativas à destinação dos resíduos sólidos urbanos. A universalização da coleta destes resíduos ainda não é uma realidade no país: um grande volume destes materiais é encaminhado para locações inadequadas. Em 2012, um levantamento da ABRELPE denunciou um déficit de 11% na cobertura de coleta e mais de 23 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos enviados para lixões e aterros controlados, unidades que, do ponto de vista ambiental, não têm o mesmo impacto positivo de soluções que reaproveitem os resíduos para uma nova aplicação e uso.
Segundo dados recentes coletados pela Associação, o Brasil precisaria investir R$ 6,7 bilhões na gestão de resíduos sólidos para coletar e destinar adequadamente os seus resíduos totais. Desta forma, se mantiver o parâmetro de investimento na gestão do setor (conforme registrado na última década), o país conseguirá atingir a universalização de toda a destinação final somente em meados de 2060. A situação se agrava ainda mais se considerarmos o prazo estabelecido pela PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) para o fim dos lixões a céu aberto, estipulado para agosto deste ano.
Diante de um prazo tão próximo, ainda há muito a ser feito. Milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos não são adequadamente destinados no país. Estimativas da ABRELPE, baseadas na experiência de outros países, indicam que são necessários de 15 a 20 anos para se atingir a redução da geração de resíduos, que figura como etapa principal na hierarquia prevista pela PNRS. A melhoria esperada, no entanto, demanda infraestrutura adequada, modificações no processo produtivo e a adoção de uma postura de consumo consciente por parte da sociedade.
Por exemplo, para atingir a etapa principal na hierarquia prevista pela PNRS, a redução da geração de resíduos, são necessários de 15 a 20 anos, conforme estimativas da ABRELPE, que baseou este estudo na experiência de outros países.

Fonte: Tera Ambiental

terça-feira, 1 de abril de 2014

Brasil compartilha dados sobre qualidade da água e saneamento em plataforma da ONU



O Brasil publicou esta semana dados na “UNEP Live”, a plataforma do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) que reúne e compartilha dados científicos e ambientais. As informações foram compartilhadas pela Agência Nacional de Águas (ANA) e enfocam o monitoramento da qualidade da água e do saneamento no Brasil.
Entre os dados publicados está um mapa que relaciona os investimentos em saneamento, como a expansão de sistemas de coleta esgoto e a implantação de estações de tratamento, com a melhoria da qualidade da água das bacias hidrográficas, aferida pela ANA a partir de dados fornecidos pelos órgãos gestores estaduais.
A página do Brasil na “UNEP Live” também apresenta a publicação “Surface Freshwater Quality in Brazil – Outlook 2012”, um panorama sobre a qualidade das águas superficiais no país, e gráficos sobre coleta e tratamento de esgoto e sobre a evolução dos índices de monitoramento da qualidade da água nos rios do país.
As informações estão disponíveis em www.unep.org/uneplive, na página do Brasil, junto com outros dados do país.
Lançada no início de 2014, a “UNEP Live” oferece dados científicos de todo o mundo para tomadores de decisão e para o público em geral usando redes de conhecimento, computação em nuvem e uma grande capacidade de busca.
A plataforma reúne informações atualizadas, conteúdos em vídeo e publicações do PNUMA e de seus parceiros com o objetivo de esclarecer o público sobre a aplicação da ciência para o desenvolvimento sustentável e conservação do meio ambiente.

Fonte: ONU BRASIL

sexta-feira, 28 de março de 2014

Brasil vive um conflito por água a cada quatro dias

As disputas por recursos hídricos no Brasil atingiram um novo recorde histórico em 2013, segundo dados preliminares do levantamento anual feito pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).


Foram identificados 93 conflitos por água em 19 Estados, o maior desde 2002, quando eles passaram a ser monitorados pelo órgão, que é ligado à Igreja Católica. Isso representa um conflito hídrico a cada quatro dias.

No ano passado, houve um aumento de 17% no número de disputas em relação a 2012. Foi o segundo ano seguido de intensificação dos conflitos. Em 2012, houve 79 conflitos, um aumento de 16% em relação a 2011.

Apropriação

No ano passado, a Bahia foi o Estado que mais teve disputas deste tipo, num total de 21. Em segundo lugar, ficou o Rio de Janeiro, com sete disputas.

O Nordeste foi a região mais conflitante, com 37 casos registrados, seguido pelo Norte do país, com 27 casos.

De acordo com a CPT, muitas destas disputas ocorrem para evitar a apropriação de recursos hídricos por empresas, como mineradoras e fazendas, ou para impedir a construção de barragens ou açudes.

'Além da investida na Amazônia, com a construção de duas grandes hidrelétricas, de Belo Monte e Tapajós, o cerrado e a Mata Atlântica também têm sofrido com mais conflitos por causa de disputas de territórios entre comunidades pobres e grandes empresas de mineração e agricultores', afirma Isolete Wichinieski, coordenadora nacional do CPT.

Preservação

Muitas das disputas também ocorrem por ações de resistência, em geral coletivas, para garantir a preservação da fonte de água.

'Hoje existe uma maior preocupação em preservar o meio ambiente, o que também gera mais embates', afirma Wichinieski.

O relatório completo sobre conflitos hídricos será divulgado pelo CPT no próximo mês.

Fonte: BBC Brasil

sexta-feira, 21 de março de 2014

Rede nacional da ANA vai monitorar qualidade das águas do Brasil


Por Andreia Verdélio


A Agência Nacional de Águas (ANA) lançou hoje (20) a Rede Nacional de Monitoramento de Qualidade das Águas (RNQA), que vai monitorar, avaliar, padronizar e disponibilizar informações sobre a qualidade das águas superficiais e gerar conhecimento para subsidiar a gestão dos recursos hídricos do Brasil. O lançamento faz parte das comemorações pelo Dia Mundial da Água, no dia 22 de março.

A ANA investiu mais de R$ 9,5 milhões nos equipamentos para monitoramento de qualidade das águas, em 15 estados e no Distrito Federal, aqueles que já operam o sistema. Os demais estados serão contemplados nas próximas etapas de implantação da rede. “Estamos fazendo um esforço junto aos estados, fornecendo capacitação e recursos materiais, como barcos, automóveis e sistemas de operação, de tal maneira que os estados possam também avançar na gestão da qualidade das águas, para que possamos oferecer segurança hídrica para todos os brasileiros”, disse o diretor presidente da ANA, Vicente Andreu Guillo.

Ele explica que a adesão à rede depende de dois critérios, a criticidade e a vontade e capacidade dos estados. “Vamos abrir esta oportunidade para todos os estados. Porém, se identificarmos que uma região crítica está fora dessa primeira etapa, ali vamos fazer uma atuação praticamente direta”.

Segundo Guillo,70% da água do Brasil é boa, considerando a particularidade das bacias hidrográficas: “Isso, porém, não nos tranquiliza, porque o Brasil é um dos países mais urbanizados do mundo. Mais de 85% da população brasileira mora em cidades, e obviamente esse desenvolvimento sem tratamento de esgoto, sem ampliação da oferta, acaba criando problemas. Então, a rede estará focada naquelas regiões em que este problema está presente, principalmente nas grandes cidades.”

O diretor presidente da ANA diz que, em termos gerais, de 70% a 80% do consumo de água, em área urbana, se transforma em esgoto - uma conta feita a partir de informações das empresas de saneamento. “Do esgoto produzido, algo em torno de 60% são coletados, e 30% desses são tratados. Então, temos apenas 18% do esgoto produzido no Brasil com alguma forma de tratamento, e isso mostra a importância da rede”, disse, usando como exemplo a cidade de São Paulo. “Se os rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros não estivessem poluídos da maneira como estão, e isso foi um processo histórico de mais de 200 anos, sem dúvida nenhuma, o problema de disponibilidade de captação de água para São Paulo estaria muito minimizado”.

Para o presidente do Conselho Mundial da Água, o brasileiro Benedito Braga, a agência acerta em comemorar o Dia Mundial da Água lançando esse programa. “Hoje em dia, fala-se muito sobre governança, sobre a participação pública. Esse tema do monitoramento é um que, desde que eu entrei no curso primário, todo mundo reclama que não tem dados. A maioria dos conflitos que ocorrem são cognitivos, porque não sabemos direito com o que estamos lidando, e esses dados são fundamentais. Então, essa iniciativa de promover o bom monitoramento é extremamente louvável”.

Hoje, a ANA tem acordos de cooperação técnica com os 26 estados e o Distrito Federal para a implementação do Programa Nacional de Avaliação da Qualidade das Águas, cujo eixo principal é a rede de monitoramento. A meta da RNQA é que até dezembro de 2020 todos os estados e o DF contem com um total de 4.452 pontos de monitoramento.


Fonte: Agência Brasil

quinta-feira, 20 de março de 2014

Brasil ocupa a 112ª posição em ranking internacional de saneamento

Por Marli Moreira


Apesar de ser a sétima economia do mundo, o Brasil ocupava a 112ª posição em um conjunto de 200 países no quesito saneamento básico, em 2011, segundo aponta um estudo divulgado dia 19 de março pelo Instituto Trata Brasil e pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, durante o fórum Água: Gestão Estratégica no Setor Empresarial.

O objetivo do estudo foi apontar benefícios que poderiam ser obtidos com mais investimentos em saneamento básico, melhorando a qualidade de vida do brasileiro e elevando a economia do país.

De acordo com esse trabalho, o Índice de Desenvolvimento do Saneamento atingiu 0,581, indicador que está abaixo não só do apurado em países ricos da América do Norte e da Europa como também de algumas nações do Norte da África, do Oriente Médio e da América Latina em que a renda média é inferior ao da população brasileira. Entre eles estão o Equador (0,707); o Chile (0,686) e a Argentina (0,667). O índice é mensurado com base no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Programa  das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Na última década, o acesso de moradias à coleta de esgoto aumentou 4,1%, nível abaixo da média histórica (4,6%). Em 2010, 31,5 milhões de residências tinham coleta de esgoto. A região Norte foi a que apresentou a melhor evolução, apesar de ter as piores condições no país com 4,4 milhões de casas sem coleta. Somente o estado do Tocantins conseguiu ampliar o atendimento em quase 21%.
No Nordeste, um universo de 13,5 milhões não contavam com esses serviços e em mais de 6 milhões de lares não havia água tratada. O maior número de residências sem coleta foi registrado no estado da Bahia (3,3 milhões), seguido pelo Ceará (1,9 milhão). 

No Sul, mais 6,4 milhões de residências também não contavam com os serviços de coleta e os estados com os maiores déficits foram: Rio Grande do Sul (2,8 milhões) e Santa Catarina (1,9 milhão).  Já no Sudeste, com os melhores índices de cobertura, ainda existiam 8,2 milhões de moradias sem coleta.

Segundo advertem os organizadores do estudo, “a situação do saneamento tem reflexos imediatos nos indicadores de saúde”. Eles citam que, em 2011, a taxa de mortalidade infantil no Brasil chegou a 12,9 mortes por 1.000 nascidos vivos, superando às registradas em Cuba (4,3%), no Chile (7,8%) e na Costa Rica (8,6%).

Outro efeito direto da precariedade do saneamento, conforme destaca o estudo, refere-se à expectativa de vida da população (73,3 anos) em 2011, que ficou abaixo da média apurada na América Latina (74,4 anos). Na Argentina, a esperança de vida atingiu 75,8 anos e no Chile 79,3 anos.

O estudo destacou ainda que, se houvesse cobertura ampla do saneamento básico, as internações por infecções gastrintestinais que, segundo dados do Ministério da Saúde atingem 340 mil brasileiros, baixariam para 266 mil. Além da melhoria na qualidade da saúde isso representaria redução de custo, já que as internações levaram a um gasto de R$ 121 milhões, em 2013.

Pelos cálculos desse trabalho, a universalização traria uma economia das despesas públicas em torno de R$ 27,3 milhões ao ano e mais da metade (52,3%) no Nordeste. Outros 27,2% no Norte e o restante diluído nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

Conforme os dados, em 2013, 2.135 vítimas de infecções gastrintestinais perderam a vida - número que poderia cair 15,5%. A universalização do saneamento também diminuiria os afastamentos do trabalho ou da escola em 23% , o que poderia implicar em queda de R$ 258 milhões por ano. Em 2008, 15,8 milhões de pessoas ou 8,3% da população brasileira faltaram ao serviço ou às aulas por pelo menos um dia, sendo que 6,1% ou 969 mil por problemas causados por diarreias.  Deste total, 304,8 mil eram trabalhadores e 707,4 mil frequentavam escolas ou creches.

Outro benefício apontado pelo estudo, seria a dinamização do turismo com a criação de quase 500 postos de trabalho e renda anual de R$ 7,2 bilhões em salários, além de incremento na formação do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma da riqueza gerada no país, da ordem de R$ 12 bilhões.

Fonte: Agência Brasil

terça-feira, 18 de março de 2014

Perspectivas para o desenvolvimento sustentável até 2030

Por  Virgílio Viana


Estão sendo elaborados e debatidos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). A Organização das Nações Unidas (ONU) espera aprovar os ODS em setembro deste ano, após longo e abrangente processo de negociação entre os países membro. Os ODS devem substituir os Objetivos do Milênio (ODM) a partir de 2015 e devem vigorar até 2030.

Os Objetivos do Milênio serviram como uma bússola para orientar os esforços de países, estados, municípios, empresas, instituições de pesquisa e da sociedade civil. Para nossa grata satisfação, muitos dos objetivos foram alcançados antes do prazo. Cabe destaque para a redução da pobreza no Brasil e na América Latina.

A meta da ONU era a redução da pobreza extrema em 50% até 2015, tendo como referência o ano de 1990. No Brasil, em 1990, 25,6% dos brasileiros tinham renda domiciliar per capta abaixo da linha de pobreza internacional de US$1,25/dia. Em 2008, apenas 4,8% da população eram pobres. Avanços semelhantes puderam ser observados em outros países. Resultados muito positivos foram também observados em outras áreas como, por exemplo, mortalidade infantil.

Ainda é motivo de discussão se os ODM deixarão de existir e se serão totalmente absorvidos pelos ODS. É possível que os ODM coexistam com os ODS durante algum tempo. O fato é que nas próximas décadas os governos, as empresas, as instituições de pesquisas e a sociedade civil terão como bússola os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Segundo acordado na Rio+20, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável devem ser orientados pela ação, concisos e fáceis de comunicar e aplicáveis universalmente para todos países levando em conta as diferentes realidades nacionais, as capacidades e níveis de desenvolvimento e respeitando as prioridades e políticas nacionais.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon lançou, em 2012, uma iniciativa chamada de Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (SDSN, em inglês). O objetivo dessa iniciativa é mobilizar as sociedades humanas diante dos desafios do desenvolvimento sustentável. Para liderar essa iniciativa foi convidado o professor Jeffrey Sachs, diretor do Instituto da Terra, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. O Professor Sachs convidou um pequeno grupo de especialistas para apoiá-lo nessa tarefa.

Um dos primeiros resultados da SDSN foi elaborar uma proposta de Objetivos que deverão substituir os ODM. Entre eles estão o fim da pobreza extrema, o alcance do desenvolvimento dentro dos limites planetários, a garantia da aprendizagem eficaz para todas as crianças e jovens, a promoção da igualdade de gênero, inclusão social e direitos humanos, o alcance da saúde e bem-estar em todas as idades, a manutenção dos serviços ambientais, biodiversidade e boa gestão dos recursos naturais, entre outros.

Agora, quais devem ser as prioridades das sociedades humanas no período de 2015 a 2030? Quatro mudanças principais farão com que o próximo período de 15 anos, 2015-2030, seja diferente do período 2000-2015.

Primeira, o aumento drástico do impacto humano sobre o Planeta. Com uma população mundial em 7.2 bilhões e um PIB anual próximo dos 90 trilhões de dólares, a economia do planeta, usando as tecnologias de hoje, já está excedendo muitos dos “limites planetários” da Terra.

Segunda, as novas tecnologias também oferecem tremendas oportunidades na oferta de serviços públicos, incluindo saúde, educação e infraestrutura básica para mais pessoas a um custo mais baixo. Terceira, a desigualdade e a exclusão sociais estão sendo ampliadas em muitos países ricos e pobres, sem distinção, como parte do resultado de uma rápida mudança e da globalização. O Brasil é um dos poucos países onde a desigualdade diminuiu – mas continua muito elevada.

Quarta, na era da globalização, a governança dentro e entre os países está se tornando mais difusa e complexa. As revoluções na informação e comunicação estão levando a um processo de transparência sem precedentes, em todos os países.

Como próximo passo, a ONU criou uma rede de conhecimento da Amazônia para que especialistas de todo o mundo busquem soluções e projetos em todos os países que compõem o Bioma e que podem ser aplicados em qualquer região do planeta. Muita gente está engajada nesse processo. O desenvolvimento sustentável está caminhando. Precisamos fazer nossa parte.

* Virgílio Viana é superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) e coordenador da rede SDSN-Amazônia.

Fonte: Envolverde