segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Descaso é motivo para avanço lento em saneamento básico

Por Nicolau Soares
 
 
 
Dados da Pnad apontam que quase 40% da população não tinha acesso a rede coletora de esgoto em 2012. Tema não é prioridade nem entre pessoas que sofrem com esgoto a céu aberto.
 
 
O pequeno avanço registrado no número de domicílios com acesso a rede coletora de esgoto, que passou de 55% do total em 2011 para 57,1% em 2012, é insuficiente para as necessidades do país e reflete o descaso com o tema tanto por parte dos políticos quanto da própria população, que não enxerga o problema como prioridade. Essa é a avaliação de Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, ONG que fiscaliza e cobra a evolução do esgotamento sanitário no país.
 
“Estas obras deveriam ser a maior prioridade, especialmente dos prefeitos, que ficaram com a titularidade do saneamento e deveriam ser cobrados. Mas muitas vezes os órgãos seguem um critério político e outras obras como viadutos, rodovias, hidrelétricas passam na frente do saneamento”, afirma, ao comentar os resultados divulgados pelo IBGE da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
 
A Pnad também mostra que, dos serviços avaliados, o acesso dos domicílios a rede de coleta é o pior indicador. “É muito ruim ver que enquanto a iluminação, coleta de lixo e abastecimento de água estão caminhando para a universalização, vemos dificuldade em avançar na coleta de esgoto. E a Pnad nem fala em tratamento, que é muito pior”, afirma.
 
O maior aumento na rede de saneamento ocorreu na região Sul, que passou de 35,7% para 42,3%. A região Norte manteve-se estável em relação a 2011 (13%) e com um percentual bem menor que o Sudeste (84,1%).
 
Édison Carlos cita números do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, considerados mais técnicos por serem enviados pelas empresas operadoras de saneamento nos municípios. Segundo dados da pesquisa mais recente, de 2011, a situação é pior do que o retrato da Pnad: 48% da população tem acesso a coleta de esgoto e apenas 38% do esgoto é tratado.
 
O problema reflete a falta de espaço do tema mesmo nas demandas da própria população. Segundo pesquisas do Trata Brasil, o tema não faz parte dos cinco primeiros itens que a população considera na hora de escolher um candidato – nem entre aqueles mais atingidos por esgoto a céu aberto. “A população não relaciona saneamento com saúde. A pessoa é atingida por uma doença causada pela água poluída e pede mais um hospital, não percebe a relação. E como é obra de maior apelo eleitoral, prefeito opta por fazer mais postos de saúde e tratar a doença em vez de evitá-la”, afirma.

Transforma recursos em obras

 
 
Segundo ele, desde 2007, quando foi aprovada a primeira lei para regulamentar o saneamento, o governo federal tem feito um esforço para manter recursos para a área, principalmente por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No entanto, os avanços conquistados têm sido insuficientes e muito lentos para as necessidades do país. “É positivo ter ocorrido avanço, mas é insuficiente se quiser resolver a questão em 20 anos, como é a meta do governo”, avalia.
 
O Trata Brasil acompanha 138 obras de esgotamento sanitário do PAC, todas em cidades com mais de 500 mil habitantes, que representam R$ 6,1 bilhões em investimento. Segundo o instituto, apenas 14% delas estão prontas após cinco anos; 65% estão paralisadas, atrasadas ou ainda não começaram. “Há dificuldade de transformar recursos em obras, mesmo com o empenho do governo federal”, afirma.
 
Entre os gargalos, Édison aponta a perda de capacidade de produzir projetos em saneamento mesmo em grandes cidades brasileiras. “O país ficou 20 anos praticamente sem investir em esgotamento sanitário, se perdeu muito do que se sabia”, afirma.
 
Outro ponto é é o excesso de burocracia em Brasília para que prefeituras e governos estaduais tenham acesso aos recursos. “Esses pontos fazem com que o ciclo entre apresentar projeto e concluir a obra esteja perto de oito anos no Brasil. É preciso flexibilizar um pouco para facilitar o acesso a esses recursos”. Na mesma linha, Édison aponta lentidão na concessão de licenças ambientais, fruto, em sua avaliação, principalmente de descaso político.

Saneamento não acompanhou cidades

 
 
Édison mostra grande preocupação com a situação da Região Norte, que alcançou o menor índice de atendimento do país. “Tratamento de esgoto praticamente não há. É um caso gravíssimo e não evolui. A região está parada há anos. É um círculo vicioso para o qual a gente não vê saída. As obras do PAC não avançam. A região deveria ser a grande prioridade do governo federal”, afirma.
 
Segundo ele, a região também tem números elevadíssimos de perda de água: perto de metade da água potável se perde na distribuição da estação de tratamento até as torneiras, prejudicando as empresas que não podem cobrar pelo serviço. “Com isso, a receita com distribuição de água quase não paga os serviços e inviabiliza investimentos”, explica.
 
No Nordeste, região com índices também baixos de cobertura, o especialista vê sinais mais positivos. “Algumas empresas de saneamento estação se reestruturando, na Bahia, Ceará, Alagoas, por exemplo. A região tem 21% de coleta de esgoto segundo o Ministério das Cidades, um índice baixo, mas tem uma mexida. Pernambuco, por exemplo, fez uma Parceria Público-Privada enorme, com mais de R$ 4 bilhões para tratar os 14 municípios da Grande Recife”, lembra.
 
Reunindo estados considerados entre os mais desenvolvidos do país, a região Sul é, para Édison, a prova de que o descaso com o tema atinge cidades ricas e pobres. Responsável pelo maior crescimento na coleta de esgoto entre 2011 e 2012 segundo a Pnad, a região exibe números baixos em relação a esgotamento sanitário.
 
“O problema é especialmente grave em Santa Catarina, que tem somente 18% de coleta de esgoto segundo dados do Ministério das Cidades. É a prova do descaso político com esgotamento sanitário, que não acompanhou crescimento das grandes cidades. Não se pensou no esgoto, e por isso os rios do país estão todos poluídos pelo esgoto, muitas praias belíssimas também. O impacto acontece não só na saúde da população, mas também no turismo, na educação, já que as crianças são as mais atingidas”, lamenta.
 
Fonte: Rede Brasil Atual