terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Aquíferos do Recife correm risco de salinização


Por Elton Alisson


 Os aquíferos do Recife (PE) correm risco de salinização e contaminação em razão da perfuração indiscriminada de poços tubulares privados na capital pernambucana nos últimos anos.
O alerta foi feito pelo professor Ricardo Hirata, do Instituto de Geociências (IGc) da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (Cepas), durante a 1ª Reunião de Avaliação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), realizada nos dias 28 e 29 de novembro em Bragança Paulista, no interior de São Paulo.
“Houve um aumento impressionante de poços tubulares no Recife para uso privado, com 100 a 200 metros de profundidade, que passaram a ser utilizados como fonte suplementar de abastecimento de água na cidade, principalmente pelas classes mais abastadas”, disse Hirata àAgência FAPESP.
“Devido a uma série de fatores, as águas desses poços e do aquífero têm ficado salinizadas”, afirmou o pesquisador, que coordena um Projeto Temático, financiado pela FAPESP, com o objetivo de avaliar a degradação das águas subterrâneas em Recife no contexto das mudanças climáticas globais.
O estudo é realizado no âmbito de um acordo mantido pela FAPESP com a Fundação de Amparo à Pesquisa de Pernambuco (Facepe) e a Agence Nationale de la Recherche (ANR), da França, e reúne, do lado de São Paulo, pesquisadores do IGc, da Escola de Engenharia de São Carlos da USP e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
De acordo com Hirata, uma das constatações feitas durante a realização do projeto, iniciado no fim de 2011, é que tem ocorrido mudanças no padrão de consumo e de interação dos moradores do Recife com a água nas últimas décadas.
A exemplo de outras capitais nordestinas, a cidade registra, desde o início da década de 1970, crescimento populacional e, consequentemente, aumento da demanda por água potável.
Segundo Hirata, o abastecimento público dos 3,7 milhões de habitantes da cidade é realizado pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e baseado em fontes superficiais de água – como a de reservatórios –, que abrange a região metropolitana de Recife.
Uma pequena região na área norte da cidade e próxima a Olinda é abastecida por meio de águas subterrâneas, provenientes do aquífero Beberibe.
Em razão de secas severas, como a ocorrida entre 1998 e 1999, e de frequentes racionamentos de água, Recife aumentou o uso do já bastante explorado aquífero por meio da perfuração de poços privados, localizados, principalmente, na região central da cidade e em Boa Viagem, contou o pesquisador.
“Existem, aproximadamente, 13 mil poços privados em Recife; é a cidade brasileira com o maior número de captações de águas subterrâneas”, destacou Hirata. “A maior parte deles é ilegal, com existência desconhecida pelos órgãos administradores. Isso dificulta o planejamento, pelo Estado, de um programa de gestão dos recursos hídricos. Ao mesmo tempo, essa estrutura desconhecida garante a segurança hídrica da cidade, porque esse abastecimento complementar de água é fundamental em períodos de estiagem.”
Salinização dos aquíferos
Um dos principais problemas dos poços privados é que muitos se tornam salinizados e são perdidos e abandonados. Uma das prováveis causas da salinização é a intrusão de águas salinas do mar induzida pelo bombeamento desordenado.
O bombeamento dos poços faz com que as águas salgadas de canais e estuários, além de paleomangues (sedimentos que tiveram contato com águas salgadas, quando o nível do mar era mais alto), penetrem no aquífero, provocando sua salinização, explicou Hirata.
“Parte do aquífero de Boa Viagem, que é mais raso e de menor espessura, tem vários poços salinizados e abandonados”, disse.
“Uma vez salinizados os poços e o aquífero há pouco o que fazer. As tecnologias de dessalinização são limitadas e os sistemas de tratamento individual de água salgada de poços são muito caros”, ressaltou o professor do IGc-USP.
A pesquisa verificou que os proprietários abandonam os poços ou os aprofundam, até atingir os aquíferos Cabo e Beberibe – mais profundos que o de Boa Viagem –, quando constatam que suas águas ficaram salinizadas.
Além do aumento dos custos na extração de águas, os poços abandonados também têm sido responsáveis por conectar as porções mais rasas e salinizadas dos aquíferos com aquelas mais profundas e ainda preservadas, ressaltou o pesquisador.
Uma descoberta que surpreendeu os pesquisadores foi o resultado das medições da temperatura de recarga (temperatura inicial) desses aquíferos profundos – o Cabo e o Beberibe –, feitas por meio de medições de concentrações de gases nobres nas águas subterrâneas. Os resultados indicaram que essas águas são muito velhas.
A temperatura das águas de recarga dos aquíferos do Cabo e de Beberibe, por exemplo, era de 15 ºC, que coincide com o último período glacial da Terra e leva a crer que os aquíferos foram recarregados há 10 mil anos, estimou Hirata.
“Ninguém imaginava que essas águas, localizadas a menos de cem metros da superfície, fossem paleoáguas, ou seja, águas muito antigas”, disse.
Dependência comum
De acordo com o professor do IGc-USP, o problema da dependência de águas subterrâneas para garantir a segurança hídrica da população de Recife também é comum a outras capitais nordestinas, como Natal (RN) e Fortaleza (CE), e às metrópoles brasileiras, como Brasília (DF) e São Paulo, entre muitas outras cidades do país.
O caso mais crítico, segundo Hirata, é o de Natal, cujo sistema de abastecimento público é baseado em águas subterrâneas, mas com poços distribuídos na malha urbana da cidade.
Como a maior parte da malha urbana da capital do Rio Grande do Norte não conta com rede de esgoto, as águas dos aquíferos e dos poços de abastecimento público encontram-se contaminados por nitrato e, por isso, são impróprias para uso.
Segundo Hirata, na tentativa de solucionar esse problema, tem-se misturado água superficial – sem nitrato – à água dos poços para atender às necessidades da população. Em razão da falta de água superficial na capital potiguar, a quantidade de mistura é insuficiente para baixar os níveis de nitrato da água dos poços.
“A cidade de Natal está recebendo água contaminada hoje porque não consegue dispor de água limpa. Ela representa o extremo do problema da falta de água que aflige o Nordeste”, avaliou.
Já cidades do Sudeste como São Paulo dependem menos das águas subterrâneas, uma vez que a região metropolitana da cidade é abastecida por grandes sistemas de águas superficiais, como os de Cantareira, Cotia, Alto Tietê e Guarapiranga.
Estima-se, no entanto, que existam 12 mil poços privados em São Paulo, dos quais, a exemplo dos do Recife, metade é ilegal e que, juntos, retiram 10 metros cúbicos de água subterrânea por segundo, representando a quarta fonte mais importante de abastecimento da cidade, entre os oito sistemas hoje em operação.
Se por um problema de contaminação ou aumento do custo de extração essa fonte de abastecimento de água fosse perdida, a população ligada a essa rede fecharia seus poços e, imediatamente, migraria para a água da rede pública.
Essa migração de fonte de água poderia fazer com que o sistema de abastecimento da cidade, que atende hoje a população com 65 metros cúbicos de água superficial por segundo, entrasse em colapso, estimou Hirata.
“A segurança hídrica da cidade de São Paulo é frágil. É claro que a possibilidade de perder todos esses poços em um período curto de tempo, como o de um ano, é quase impossível. Mas existe uma fragilidade no sistema, porque não há políticas eficientes para águas subterrâneas na cidade, uma vez que elas não são vistas como uma fonte de abastecimento importante”, ressaltou Hirata.
Nesse sentido, a segurança hídrica da capital paulista e de outras cidades brasileiras, como Recife, está nas mãos de diversos usuários privados – os proprietários dos poços –, que, mesmo sendo ilegais, têm uma função importante porque diminuem a pressão por água do sistema de abastecimento principal, avaliou o pesquisador.
O papel desses atores no sistema de abastecimento de água das cidades brasileiras, no entanto, não está sendo avaliado corretamente, apontou. “A solução para o abastecimento de cidades como Recife e São Paulo não é esquecer a água subterrânea, mas somá-la às águas superficiais, porque são recursos muito complementares”, afirmou.
“Esse sistema integrado é uma das melhores estratégias que a própria natureza está dando para superarmos os problemas advindos das mudanças climáticas globais”, avaliou.
De acordo com o pesquisador, as águas subterrâneas representam o grande reservatório de água da Terra, sendo responsáveis por 95% da água doce e líquida do planeta, e são usadas por 2 a 3 bilhões de pessoas no mundo.
No Brasil, segundo ele, entre 35% e 45% da população utiliza água subterrânea e 75% dos municípios do Estado de São Paulo são abastecidos total ou parcialmente por essa fonte de água. “Apesar da importância desse recurso, ele não costuma frequentar, infelizmente, a agenda política dos órgãos decisores de gestão de recursos hídricos”, disse Hirata.

Fonte: Agência FAPESP

A responsabilidade com a qualidade da água termina na porta da rua.


“A forma de tratamento da água disponibilizada no Brasil se constitui, grosso modo, de processos mecânicos e químicos que visam reduzir a concentração de poluentes”, lamenta o farmacêutico.



“O déficit para o abastecimento de água potável é de aproximadamente 10%, se considerada apenas a presença/ausência da disponibilidade do serviço para o domicílio. No entanto, quando se leva em conta a adequabilidade/continuidade deste serviço, o déficit sobe para aproximadamente 40%, o que é extremamente alto.”
A constatação é de José Bento da Rocha, autor da dissertação de mestrado intitulada A regulação e a universalização dos serviços de abastecimento de água potável no Brasil, realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.
Segundo ele, em entrevista concedida à IHU On-Linepor e-mail, os dados disponíveis referentes à qualidade da água “revelam que a situação do abastecimento de água potável no Brasil ainda é muito preocupante”.Rocha esclarece que 33,9% dos domicílios brasileiros ainda estão enquadrados no conceito de “déficit intermediário sob a alcunha de atendimento precário”.
A discussão em relação à qualidade da água, assinala, “gira em torno dos 33,9% de domicílios enquadrados nesta categoria — se, na realidade, não deveriam se somar aos sem atendimento, pois são atendidos de maneira inadequada. Por outro lado, questiono: somente deveriam ser atendidos os domicílios em que é possível atendimento de qualidade (adequado) e o restante deveria ser deixado de lado? Ou é melhor atender precariamente do que não atender?”
José Bento da Rocha explica ainda que o tratamento da água no Brasil enfrenta problemas como tratamentos incompletos e até mesmo ausência de tratamento prévio. “Em uma realidade ainda bem distante da nossa, o ideal para garantir a qualidade da água tratada seria a adoção do padrão europeu (talvez alguns diriam ‘Padrão FIFA’) em que não é permitida a reservação de água (isto é, não se pode ter uma caixa d’água em casa) e que a obrigação do ‘fornecedor’ da água (seja privado ou público) é garantir sua qualidade até a torneira”, conclui.

José Bento da Rocha é farmacêutico graduado pela Universidade Estadual de Goiás – UEG, especialista em Controle de Tráfego Aéreo pela Escola de Especialistas da Aeronáutica – EEAR, pós-graduado em Direito Administrativo com ênfase em Gestão Pública, Regulador de Serviços Públicos e mestre em Saúde Pública com ênfase em Gestão e Regulação de Serviços Públicos de Saneamento Básico – ENSP/FIOCRUZ. Atualmente é coordenador de Monitoramento de Projetos da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal – ADASA.

Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que os dados disponíveis sobre a cobertura de abastecimento de água potável no país revelam sobre o abastecimento e a qualidade da água brasileira?
José Bento da Rocha - Apesar de apresentarem fortes discrepâncias e, porque não dizer, deficiências, os dados disponíveis revelam que a situação do abastecimento de água potável no Brasil ainda é muito preocupante. Seja em relação ao aspecto quantitativo ou ao qualitativo. Quando se coloca em foco o déficit sob o prisma puramente quantitativo, chega-se a aproximadamente 10% da população brasileira excluída do acesso a esse bem essencial. Quando se adiciona o fator qualidade/continuidade da água disponibilizada, este déficit sobe assustadoramente para algo próximo de 40%. De todo modo, ambos são extremamente altos. Ainda no prisma qualitativo, um fator bastante controverso é a classificação adotada noPlano Nacional de Saneamento Básico – PNSB (que na verdade ficou conhecido comoPLANSAB e foi aprovado definitivamente em 06/12/2013), que reafirma um conceito de “déficit intermediário” sob a alcunha de atendimento precário.
A discussão gira em torno dos 33,9% de domicílios enquadrados nesta categoria — se, na realidade, não deveriam se somar aos sem atendimento, pois são atendidos de maneira inadequada. Por outro lado, questiono: somente deveriam ser atendidos os domicílios em que é possível atendimento de qualidade (adequado) e o restante deveria ser deixado de lado? Ou é melhor atender precariamente do que não atender? Ao que, utopicamente, deveriam existir apenas serviços com atendimento de qualidade, mas dada a dura realidade atual e todo o histórico que a precede, não se concebe deixar de atender parte da população, ainda que fosse para propiciar atendimento com água mineral ao restante.
IHU On-Line – Como o tratamento da água vem sendo feito no Brasil e qual o método correto de garantir um tratamento adequado da água? Quais são as

preocupações do país em garantir a água potável?

José Bento da Rocha - A forma de tratamento da água disponibilizada no Brasil, que deveria variar em função do enquadramento da fonte, diga-se qualidade original da água e/ou da solução adotada (se rede geral, solução alternativa ou individual), se constitui, grosso modo, de processos mecânicos e químicos que visam reduzir a concentração de poluentes (coagulação, floculação, decantação, filtração, desinfecção, etc.).
Entretanto, na prática, há problemas que vão desde tratamentos incompletos até sua ausência, ou seja, água disponibilizada à população sem qualquer tratamento prévio. Em uma realidade ainda bem distante da nossa, o ideal para garantir a qualidade da água tratada seria a adoção do padrão europeu (talvez alguns diriam “Padrão FIFA”) em que não é permitida a reservação de água (isto é, não se pode ter uma caixa d’água em casa) e que a obrigação do “fornecedor” da água (seja privado ou público) é garantir sua qualidade até a torneira.
No Brasil esta responsabilidade termina na porta da rua (Lei 11.445/2007 – Art. 3º – Para os efeitos desta Lei, considera-se abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição).
Existem instrumentos coerentes para garantir a qualidade da água fornecida, a exemplo daPortaria 2914/2011 do Ministério da Saúde, mas sua fiscalização é deficiente e, ainda que não o fosse, haveria a possibilidade de contaminação na parte interna das casas, pois se pode afirmar, com certeza, que o percentual da população que lava regularmente suas caixas d’água, como recomendado, é muito baixo.
IHU On-Line – É possível estimar o déficit de água potável no país? Quais as razões

deste déficit em relação à qualidade da água?

José Bento da Rocha - No estudo realizado, chegou-se à conclusão de que o déficit para o abastecimento de água potável é de aproximadamente 10%, se considerada apenas a presença/ausência da disponibilidade do serviço para o domicílio (urbano ou rural). No entanto, quando se leva em conta a adequabilidade/continuidade deste serviço, o déficit sobe para aproximadamente 40%, o que é extremamente alto.
Em relação ao déficit de cobertura para o abastecimento de água potável, conclui-se que há uma série de complicadores para a sua extinção. Além das razões já apresentadas acima, podem-se citar problemas que vão desde a vontade política dos governantes, passando pelas dificuldades financeiras (alto custo), áreas de ocupação irregular (ausência de infraestrutura e alegada baixa capacidade de pagamento dos moradores) até deficiências relacionadas aos dados sobre esta cobertura (falta de padrão das pesquisas, foco na presença/ausência do serviço e não em sua adequabilidade/continuidade — deficiências estas que impedem o conhecimento realístico da situação e possibilitam, em caso de má-fé, o uso destes dados em manobras para manipulação de resultados nas estatísticas oficiais).
IHU On-Line – Por quais razões o acesso aos serviços de abastecimento de água potável no país ainda é restrito em algumas regiões? Em quais estados brasileiros o acesso à água é mais restrito?
José Bento da Rocha - Duas situações devem ser destacadas no que tange às questões regionais relativas ao déficit. A primeira é que, tanto na Região Norte, com a aparente abundância de água, como na Região Nordeste, com suas secas castigantes, há problemas sérios de abastecimento. Os estados destas duas regiões figuram, portanto, como os mais atingidos pelo déficit, sendo que no Norte o principal inimigo é o altíssimo índice de perdas, e no Nordeste, a escassez, além das deficiências estruturais nas duas regiões. A segunda situação é a questão relacionada às ocupações irregulares (áreas de favelas, invasões, etc.), que crescem exponencialmente e nas quais não há infraestrutura básica, muito menos qualquer planejamento prévio de expansão.
IHU On-Line – Como funciona o processo de gestão da água no Brasil e como avalia a maneira como vem sendo conduzido?
José Bento da Rocha - O processo de gestão das águas a partir da integração entre aAgência Nacional de Águas – ANA e os estados é, até certo ponto, satisfatório. O mais preocupante é que o Brasil ainda não valoriza, como deveria, o imenso patrimônio que possui em relação às suas águas. A errônea sensação de que a água é um bem ilimitado no país e a falta de instrumentos eficientes de monitoramento (georeferenciamento, telemetria, rastreamento de contaminações e contaminantes, etc.) são pontos bastante negativos desta gestão.
IHU On-Line – Quais têm sido os principais investimentos e políticas públicas paragarantir a qualidade da água no Brasil?
José Bento da Rocha - A definição dos parâmetros de potabilidade/qualidade da água a serem adotados, conforme a Portaria 2914/2011 – MS, e suas implicações em relação à estrutura a ser utilizada para este fim, como Secretaria de Vigilância em Saúde – SVS/MS,Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano – VIGIAGUAFundação Nacional de Saúde – FUNASAAgência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, entre outros, são marcos importantes. Entretanto, não garantem, por si mesmos, esta qualidade. Fatores como o excesso de agrotóxicos utilizados nas plantações (que de alguma forma chegam até os mananciais) não são adequadamente analisados na maioria dos casos.
IHU On-Line – Como a universalização da água é contemplada na Lei 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico?
José Bento da Rocha - A Lei 11.445/2007 traz um novo paradigma, quando aponta para a universalização dos serviços como um de seus princípios. A despeito de que no Brasil a previsão em lei não garante sua execução, o abastecimento de água é o serviço mais adiantado nesta empreitada. E também neste contexto, a regulação ganha peso como possível instrumento de incentivo e/ou coerção ao cumprimento das regras definidas em várias frentes legais e regulamentares.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
José Bento da Rocha - Os estudos realizados neste trabalho (A regulação e a universalização dos serviços de abastecimento de água potável no Brasil) evidenciaram a importância do abastecimento de água potável para o bem estar da população. Ressalta-se que as dificuldades de acesso são maiores do que a presença ou ausência de rede, poço ou qualquer outra forma de disponibilização da água. Além da presença de um sistema ou estrutura de abastecimento, a água deve estar disponível, com qualidade e ter viabilidade econômica para o usuário. Por todo seu potencial de impacto em aspectos como saúde, trabalho e dignidade na vida das pessoas, o acesso à água é de fundamental importância.
O déficit de cobertura ainda existente para abastecimento de água potável é preocupante tanto no sentido quantitativo quanto e, principalmente, no qualitativo. No olhar sobre o aspecto quantitativo, fica evidente que uma parcela considerável da população brasileira, próximo de 10%, se considerados os meios urbano, rural e as comunidades não regularizadas, está excluída do acesso ao qual tem direito. Já com o foco voltado para uma visão qualitativa, é preocupante perceber que dentre os brasileiros que recebem o serviço, mais de um terço não o recebe de forma adequada, ou seja, nos padrões de qualidade que deveria receber.
Saneamento
Outro aspecto observado neste trabalho é que a qualidade dos dados referentes aos serviços de saneamento em geral, inclusive de abastecimento de água potável, apresentam um baixo grau de confiabilidade. Este problema envolve desde a forma como são propostas e realizadas as pesquisas do setor, até a falta de conhecimento técnico dos participantes que prestam, voluntariamente, as informações quando requeridas.
A regulação da prestação dos serviços de abastecimento de água potável pode e deve assumir papel primordial frente à extrema complexidade técnica, política e econômico-financeira que envolve a universalização do acesso, seja equilibrando as forças, seja proporcionando meios como estabilidade e segurança jurídica para que os entes responsáveis possam desenvolver bem suas funções. Também se espera que a ação regulatória promova um contrapeso autônomo, dotado de técnica e isenção visando manter o equilíbrio entre as diferentes forças que influenciam na prestação dos serviços regulados.
Universalização da água
À luz da Lei 11.445/2007, que aponta para a universalização como um de seus princípios, e considerando que esta necessidade reforça o papel da regulação como um instrumento importantíssimo de propulsão para o alcance deste objetivo, aponta-se que o exercício de uma regulação efetiva, dotada de seus elementos essenciais (altíssima qualificação, autonomia e independência, etc.) tende a contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, propiciando serviços abrangentes e de qualidade a preços módicos.
A pesquisa realizada envolveu uma extensa análise dos contratos de concessão dos munícipios escolhidos, debruçando-se sobre como está a participação do regulador na relação concedente—concessionário. Este trabalho foi importante por gerar conhecimento nesta área em que há institucionalidades tão variadas, bem como ausência de um marco regulatório nacional bem definido.
Da análise dos contratos de concessão selecionados, infere-se que a regulação exerceu baixa participação no que concerne ao seu papel de compelir os regulados a buscarem este importante princípio legal. Casos como o de Campos do Jordão e de Manaus são mais preocupantes, o primeiro pela ausência de metas para a universalização e o segundo por ficar claro que a empresa (neste caso privada) vem descumprindo as metas acordadas e, ainda assim, conseguiu a prorrogação do contrato até 2045.
Concluiu-se neste trabalho que apesar de ter sido criado todo um aparato legal e técnico destinado às atividades de regulação de serviços de saneamento, a universalização das redes de abastecimento de água ainda não foi priorizada como uma meta urgente por entes reguladores. Desta conclusão não se infere que as agências reguladoras estejam deixando de atuar, porém ressalta-se que estão em um nível abaixo do que podem e do que, naturalmente, se espera delas.
Desafios
Vale considerar que a presença da regulação no Brasil ainda é muito recente e que já evoluiu grandemente; assim, o cenário é de boas expectativas em relação ao futuro. O que este estudo alerta é que as agências devem se preparar política e tecnicamente (com grande prioridade para a formação técnica) para superar os desafios postos à sua frente e assumir seu lugar na condução das relações e manutenção do equilíbrio na prestação dos serviços regulados. A atuação do regulador em abastecimento de água deve ir muito além de ser um mero observador das deficiências de qualidade e do déficit de cobertura. Como agente externo, de estado, deve compelir, sempre que necessário, os agentes de governo a cumprirem seu papel em benefício do cidadão, que é o mantenedor do estado.
Finalmente, adverte-se que há que se encarar o problema da falta de acesso com a determinação que sua complexidade exige. As desculpas que se renovam a cada momento institucional do Brasil atendem bem a certos interesses, mas que, com toda certeza, não são os dos usuários excluídos. Mesmo que estes consigam se munir de soluções improvisadas e, via de regra, inadequadas, o que esperam e, de fato, têm direito, é receber um serviço de qualidade e universalizado.

Fonte: EcoDebate  publicado pela IHU on-line.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Esgoto: grande vilão das águas brasileiras

Mais de metade da população brasileira não possui acesso ao tratamento de esgoto. Despejo irregular prejudica a qualidade das águas.



O despejo de esgoto sem tratamento nos rios, lagos e mares está afetando a qualidade das águas brasileiras e têm se tornado um problema ambiental, social e de saúde pública. Dados do Instituto Trata Brasil, divulgados no último mês de outubro apontam que de todo o esgoto produzido no país, apenas 38% passa por algum tipo de tratamento. Isso significa que mais de 100 milhões de brasileiros, mais da metade da população do país, não possui acesso aos serviços de saneamento básico e todo esgoto produzido por essa população é despejado in natura em nossos mananciais. O levantamento, intitulado Ranking do Saneamento mostra que a coleta de esgotos chegou a 61,40% da população nas 100 maiores cidades do Brasil e à somente 48,1% no restante do país, no ano de 2011.

“Desde os anos de 1970, a prioridade dos governos foi levar água de qualidade para as pessoas, mas houve um descaso generalizado com o esgoto. Algumas regiões, como o Sudeste se desenvolveram mais rapidamente e estão mais avançadas, mas regiões como o Norte e Nordeste são as que mais sofrem com este descaso histórico”, enfatiza Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil.

Álvaro José Menezes da Costa, presidente da Companhia de Saneamento de Alagoas (CASAL) e vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), comenta que as água superficiais estão sendo agredidas de forma muito acentuada. “Ao longo de muitos anos as cidades vêm crescendo sem planejamento e sem controle, levando a uma expansão habitacional muito superior ao crescimento de sistemas de coleta/tratamento de esgotos e drenagem urbana. Assim, rios, lagoas e mares sofrem com o lançamento de esgotos in natura e de águas servidas que não são coletadas por sistemas públicos de esgotamento sanitário ou, muitas vezes, são lançadas em redes de drenagem de forma clandestina ou até intencional”, aponta. Segundo Menezes da Costa, problemas na gestão dos serviços provocam o transbordo de esgoto em áreas públicas, o que acaba chegando aos corpos d’água e se infiltrando no solo.

Mauro Banderali, especialista em instrumentação hidrometeorologica da Ag Solve, explica que embora a disponibilidade de água no Brasil seja imensa, é preciso garantir sua qualidade para as gerações futuras. “Por isso, ao detectar contaminantes nas reservas de água subterrânea e superficial, é necessário tomar medidas para evitar o agravamento do problema causado pelo esgoto. É necessário que se invista em tecnologia para que as gerações futuras possam desfrutar a imensa quantidade de água disponível no território brasileiro com qualidade”, aponta.

Problema de saúde pública

A falta de sistemas de esgotos nas cidades é sem dúvidas um problema de saúde pública, pois pode provocar doenças que são transmitidas por meio hídrico ou pelo contato direto com o esgoto. “O estudo “Esgotamento Sanitário Inadequado e Impactos na Saúde da População”, realizado pelo Trata Brasil, mostrou que em 2011, quase 400 mil pessoas foram internadas por diarreia no Brasil. São números expressivos que representam uma grande parcela de um montante gasto em saúde pública no país. O estudo mostrou também que cidades que investiram em saneamento básico ao longo dos anos hoje chegam a gastar 40 vezes menos em saúde do que as cidades que nada investiram e convivem com as doenças da água poluída”, confirma Édison Carlos, do Trata Brasil.

Para Álvaro José Menezes da Costa os esgotos a céu aberto ou decorrentes de sistemas fossa-sumidouro também podem trazer danos à saúde pública. “Nos últimos anos, é visível a relação entre gastos no Sistema Único de Saúde (SUS) e ausência de redes de esgoto. Mais de 88% das mortes por diarreia no mundo decorrem de falta de redes de esgoto e no Brasil este número é superior a 80%. Em 2011, mais de R$ 140 milhões foram gastos com internação pelo SUS para tratamento de diarreias no Brasil”, salienta o presidente da CASAL.

Mauro Banderali defende que o tratamento do esgoto deve ser realizado para garantir a saúde da população e o acesso à água de qualidade. “Mesmo que a água for utilizada para fins não potáveis, deve-se atingir um padrão mínimo de qualidade e monitorar a quantidade de compostos químicos que estão presentes na água. Iniciativas para recuperar a qualidade das águas dos rios, mares e lagos são essenciais para a saúde das próximas gerações”.

Saneamento ainda não é prioridade no país

O setor de saneamento ficou sem recursos para esgotos por mais de 20 anos, durante as décadas de 1980 e 1990. Hoje, apesar dos recursos existentes, o uso não está sendo aplicado corretamente em razão da falta de planejamento e gestão dos anos anteriores.  “Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) do Ministério das Cidades, o Brasil tem investido entre R$ 8 e R$ 9 bilhões ao ano quando deveria estar investindo acima dos R$ 15 bilhões para poder universalizar o acesso à água e esgotos, nos próximos 20 anos”, revela Édison Carlos. Ele comenta que o Instituto Trata Brasil monitora 138 obras de esgotos do Programa de Aceleração e Crescimento (PAC). “Constatamos que após cinco anos do início do projeto, somente 14% das obras de esgotos estão prontas; a maioria, 65% das obras, estão atrasadas, paralisadas ou sequer começaram. Significa que ainda há muito a ser feito”, expõe.

“Foram aplicados entre 2006 e 2013, com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), R$ 16,8 bilhões, graças aos movimentos da sociedade em favor da proteção ambiental, sendo que R$ 7,5 bilhões (44%) foram destinados a obras de esgotamento sanitário. Esse investimento representou um avanço, já que para abastecimento de água a aplicação dos recursos chegou a 26%”, garante Álvaro Menezes da Costa. Segundo o vice-presidente da ABES, o próprio Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) prevê aproximadamente R$ 290 bilhões para esgotamento sanitário e R$ 160 bilhões para abastecimento de água. “Está havendo uma mudança de perfil dos investimentos com recursos públicos e as próprias Parcerias Público Privadas (PPP) já buscam atuar mais na área de esgotos”, confirma.
Medidas para resolver o problema do esgoto

Municípios que despejam esgoto nos rios têm que elaborar urgentemente planos e projetos para tratá-los. Segundo Banderali, a tecnologia pode ser uma grande aliada para o monitoramento do nível de poluição dos mananciais. “O monitoramento da qualidade das águas pode ser realizado com o uso de equipamentos de alta tecnologia, capazes de mensurar os mais diversos parâmetros das águas superficiais e subterrâneas”, garante. “Não adianta ficarmos na ilusão que nossos rios serão limpos, se estas cidades continuam jogando milhares de litros de esgoto diariamente em nossas águas. É preciso que a população cobre providências dos prefeitos para que deem prioridade total ao tema. É necessário também que se reduza a burocracia para acesso aos recursos financeiros do Governo Federal e as licenças ambientais saiam mais rapidamente para as obras de água e esgotos”, salienta o presidente do Instituto Trata Brasil.

Para Menezes da Costa, duas ações são fundamentais: implantar sistemas completos de esgotamento sanitário e proteger os mananciais, conservando e preservando as bacias hidrográficas. “É claro que tudo isso deve vir precedido de planejamento para rápida elaboração de bons projetos, obras bem executadas e da existência de entidades capacitadas para fazer a gestão dos serviços”, expõe.


Fonte: Ag. Solve

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos traz balanço da situação e gestão das águas no Brasil



A edição 2013 do Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos está disponível no site da Agência Nacional de Águas (ANA). A publicação traz o retrato atualizado das condições, usos e gestão das águas nas bacias hidrográficas brasileiras, além de apresentar os avanços na gestão dos recursos hídricos no País. Por atribuição estabelecida na Resolução nº 58/2006 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), a cada quatro anos a ANA elabora o Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos, com a publicação anual de informes que atualizam o seu conteúdo. 
O Relatório é o resultado do trabalho feito com uma rede de cerca de 50 instituições, por isso, disponibiliza a informação mais atual possível de forma que o ano de referência dos dados não é sempre o mesmo. Entre a rede de instituições que participam da elaboração do Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos, estão os órgãos gestores estaduais de meio ambiente e recursos hídricos, além de órgãos federais, como a Secretaria Nacional de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (SRHU) do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Destaques sobre a situação dos recursos hídricos:
Chuvas: a precipitação média anual (histórico de 1961-2007) no Brasil é de 1.761 mm, variando de 500 mm no semiárido do Nordeste a mais de 3.000 mm na Amazônia. O exame dos mapas de chuvas e dos dados (1961 a 2007) revela que em 2009 a chuva média no País excedeu em mais de 15% o valor médio histórico, em cinco regiões hidrográficas. Outras quatro regiões hidrográficas também registraram valores acentuados, entre 10 e 15%. Em compensação, em 2012 a chuva média no País foi de 1.651 mm, abaixo da média histórica e cinco regiões hidrográficas tiveram médias bem abaixo da média histórica (pag. 41); 
Água doce superficial: apesar de o Brasil possuir 13% da água doce disponível do planeta, a distribuição é desigual, pois cerca de 80% estão concentrados na Região Hidrográfica Amazônica, onde está o menor contingente populacional, pouco mais de 5% da população brasileira, e a menor demanda, enquanto na Região Hidrográfica do Atlântico Leste, onde se localizam quase 8% da população e as capitais Sergipe e Salvador, por exemplo, estão menos de 0,4% das águas dos rios (pag. 45); 
Água doce subterrânea: A reserva subterrânea potencial explotável no Brasil (disponibilidade hídrica subterrânea) é de 11.430 m³/s. As águas subterrâneas abastecem 39% dos municípios brasileiros (pág. 58/63); 
Reservatórios: os reservatórios desempenham papel importante na gestão dos recursos hídricos. Além de armazenar água nos períodos de chuva, contribuindo para o controle de cheias em alguns casos, eles podem liberar parte do volume armazenado em épocas de seca, aumentando a oferta de água. O Brasil possui 3.607 m³ por habitante de volume máximo disponível para armazenamento de água. Esta estimativa é superior a vários continentes, só perdendo para o volume armazenado pela América do Norte, de 5.660 m³ por habitante. Os 254 principais reservatórios do Nordeste (com capacidade igual ou superior a 10 hm³) sofreram um decréscimo de 20,31% no volume de armazenamento em 2012, por causa dos baixos índices de chuvas. (pág. 49, 52); 
Demandas: a demanda de água corresponde à vazão de retirada, ou seja, à água captada para atender os diversos usos consuntivos (fora do rio). Parte dessa água é devolvida ao ambiente depois do uso (vazão de retorno). A água não devolvida (vazão de consumo) é a diferença entre a vazão de retirada e a vazão de retorno. Verificou-se que em 2010, em comparação com 2006, houve aumento de cerca de 29% da vazão de retirada total de águas dos rios, passando de 1.842 m³/s para 2.373m³/s, principalmente devido à irrigação, que passou de 866m³/s para 1.270 m³/s (47% do total). Já a vazão de consumo passou de 986 m³/s para 1.161 m³/s, aumento de 18%. Portanto, em 2010 a irrigação foi responsável por 72% da vazão consumida; o uso dos animais por 11%; o uso urbano por 9%, o industrial por 7% e o rural (o consumo das pessoas e a não a atividade agrícola) por 1% do total consumido (pág. 89); 
Irrigação: segundo a FAO, o Brasil está entre os quatro países com maior área potencial para irrigação. A área irrigada projetada para 2012 foi de 5,8 milhões de hectares ou 19,6% do potencial nacional de 29,6 milhões de hectares. Considerando a relação área irrigada e total cultivadas, as regiões hidrográficas Atlântico Sul e Atântico Sudeste apresentam o mais elevado percentual de irrigação, com 19,4% e 24,02% em 2012. As regiões São Francisco e Atântico Nordeste Oriental também se destacam com irrigação em 17,8% e 14% da área total cultivada em 2012, enquanto a região Amazônica apresenta o menor percentual, de 1,6%. Embora possua a maior área irrigada, a região do Paraná apresenta apenas 7,5% de sua área cultivada sobre irrigação, abaixo da média nacional de 8,6% (pág. 94); 
Indústria: é o terceiro maior uso do País em termos de vazão de retirada dos rios e o quarto em consumo. Em algumas bacias corresponde ao principal uso da água (na Bacia do Tietê, por exemplo, respondendo por 45% da vazão de retirada da bacia). Este uso é mais concentrado nas Regiões Hidrográficas do Paraná, Atlântico Sudeste e nas cabeceiras do São Francisco, onde de se concentra a maior parte da mão de obra e a infraestrutura para o escoamento da produção (portos, malha viária, aeroportos) e mercado consumidor. Essas regiões concentram 80% das outorgas (licenças) emitidas para uso industrial. A fabricação de celulose, papel e produtos de papel, metalurgia básica são os usos indústria com maior número de outorgas nos rios da União (pág. 117); 
Hidroeletricidade: Segundo a Aneel, o País possui 1.061 empreendimentos hidrelétricos, sendo 407 centrais de geração hidrelétrica (CGH), 452 pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e 205 usinas hidrelétricas (UHE). A hidroeletricidade representa 70% de toda a capacidade instalada. Entre 2009 e 2012, 28 importantes aproveitamentos hidrelétricos (UHE) entraram em operação gerando um total de 4.787,21 (MW), dos quais 1.463,03 MW foram gerados em 2012, quando houve um acréscimo de 3.972 MW na capacidade total do sistema, sendo 1.843 referentes à geração hidrelétrica (Pág.121); 
Qualidade das águas: considerando os valores médios de IQA (Índice de Qualidade da Água) nos 2001 pontos de coleta (em 17 estados) no ano de 2011, observou-se condição ótima em 6% dos pontos de monitoramento, boa em 76%, regular em 11%, ruim em 6% e péssima em 1%. Águas com condições ótima, boa e regular são próprias para o abastecimento público após tratamento convencional. Águas ruins ou péssimas são impróprias para o abastecimento público e necessitam de tratamentos mais avançados e estão localizadas em corpos hídricos que atravessam áreas urbanas densamente povoadas. Quando considerados apenas os 148 pontos de monitoramento dessas áreas, o percentual de pontos péssimos sobe para 12% e de ruins, para 32%. Entre as bacias que apresentaram mais número de pontos com melhorias (entre 2001 e 2011) estão as bacias do Tietê (34% dos pontos) e do Paraíba do Sul (24%), em ambos os casos a razão da melhora são investimentos em coleta e tratamento de esgoto (pag. 70); 
Saneamento: Segundo informações do Censo Demográfico do IBGE de 2010, o Brasil possui 90,88% e 61,76% da população urbana atendida por rede geral de água (existência de rede, não necessariamente de água) e por rede coletora de esgoto, respectivamente. Comparados com as informações de 2000, houve manutenção da cobertura de rede de abastecimento de água e aumento de cerca de 8% da cobertura de rede de esgoto. Houve aumento de 20% para quase 30% no percentual de esgoto tratado com relação ao coletado, na comparação entre 2000 e 2008, mas ainda há acentuadas diferenças entre as regiões, com índices de tratamento de 78,4% em São Paulo e de 1,4% no Maranhão, por exemplo. As regiões hidrográficas Tocantins-Araguaia, Amazônica, Atlântico Nordeste Ocidental e Parnaíba possuem os piores índices de abastecimento urbano de água e coleta e tratamento de esgotos. As regiões hidrográficas do Paraná, Atlântico Sudeste, São Francisco e Atlântico Leste possuem os melhores índices com relação a coleta de esgotos. Estima-se que são lançadas cerca de 5,5 mil toneladas de carga orgânica por dia nos corpos d’água brasileiros. As situações mais críticas são as das regiões metropolitanas, devido ao alto lançamento e reduzido potencial de diluição da vazão dos rios. Houve melhora devido a investimentos, que não resultaram suficientes (pág.101);

Balanço Hídrico:
A Lei nº 9.433/1997, no seu artigo 3º, define a gestão sistemática dos recursos hídricos sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade como uma das diretrizes para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos. Nesse sentido, realizou-se o diagnóstico das bacias críticas brasileiras, considerando, de forma integrada, a análise de criticidade sob o ponto de vista qualitativo e quantitativo. Como destaque, essa análise integrada revela que: 
• Boa parte do País encontra-se em condição satisfatória quanto à quantidade e à qualidade de
água. Destacam-se as RHs Amazônica, Tocantins-Araguaia e Paraguai;
• Na Região Nordeste ocorre grande ocorrência de rios classificados com criticidade quantitativa
devido à baixa disponibilidade hídrica dos corpos d’água;
• Rios localizados em regiões metropolitanas apresentam criticidade quali-quantitativa, tendo em
vista a alta demanda de água existente e a grande quantidade de carga orgânica lançada aos rios;
• No Sul do Brasil muitos rios possuem criticidade quantitativa, devido à grande demanda para
irrigação (arroz inundado). 
Destaques do quadro institucional e legal 
Comitês de Bacia: Em 2012, havia 174 comitês de bacia hidrográficas (CBH) instalados no Brasil, sendo 164 em bacias de rios de domínio estadual e nove em bacias de rios de domínio da União, correspondendo a uma área total de 2,17 milhões de km² que cobre mais de 25 % do território brasileiro. Em Goiás, em 2012 foi instalado o CBH Rio Vermelho; no Rio de Janeiro, o CBH Baía da Ilha Grande; e em Tocantins foram instalados os seguintes CBHs: rio Manuel Alves da Natividade, rio Formoso do Araguaia e entorno do Lago de Palmas. Quanto aos Comitês Interestaduais, em 2012 houve a instalação do CBH do Rio Grande e a criação e instalação CBH do Rio Paranapanema (pág. 230);
 Cobrança pelo uso da água: Em 2012, foram cobrados R$ 153,8 milhões e arrecadados R$ 144,9 milhões. Desde o início da cobrança pelo uso das águas nas bacias hidrográficas, em 2003, foram cobrados R$ 628,4 milhões e arrecadados R$ 562,9 milhões. A cobrança foi implementada nas seguintes bacias hidrográficas federais: Paraíba do Sul, rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), São Francisco e rio Doce. Os Comitês das bacias hidrográficas do rio Verde Grande e Paranaíba começaram a tratar das diretrizes da cobrança no âmbito de seus planos de recursos hídricos. Nas bacias hidrográficas de domínio dos estados, há cobrança em todas as bacias do Rio de Janeiro; no Ceará; nas bacias do Sorocaba, Médio Tietê e Baixada Santista; e nas porções paulistas do Paraíba do Sul e do PCJ. Em Minas Gerais, nos rios das Velhas, Araguari, Piranga, Santo Antônio, Suaçaí, Caratinga, Munhuaçu e nas porções mineiras do PCJ em todos os afluentes do rio Doce. A Bahia cobra pelo fornecimento de água bruta dos reservatórios administrados, operados e mantidos pela Companhia de Engenharia Ambiental e Recursos Hídricos da Bahia (CERB) (pág. 240); 
Planos de Recursos Hídricos: Dos 27 estados, nove ainda não contam com Planos de Recursos Hídricos (Amazonas, Pará, Amapá, Maranhão, Rondônia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Com relação aos planos de bacia de rios interestaduais, já foram concluídos planos que atingem 51% do território brasileiro. Em 2012 foram iniciados os trabalhos para o plano da Bacia do rio Piranhas-Açu (pág. 277); 
Usuários Cadastrados: Até o final de 2012, 130.524 declarações de usos de 65.049 usuários constavam do Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos (CNARH), sendo 12% cadastrados em rios de domínio da União e 88% em rios de domínio dos estados (pág.313); 
Outorgas e Certificações: Até julho de 2012, o total de outorgas (autorização para uso) acumulado foi de 204.607 nas bacias hidrográficas de domínio da União e dos estados. Em termos de vazão outorgadas, as licenças equivalem a 7.439,14 m³/s, sendo que as outorgas de águas superficiais superam as de águas subterrâneas em 12 vezes em termos de vazão e em 20 vezes em termos de outorgas. São destaques as outorgas coletivas, de 2012, que regularizaram 62 usuários da bacia do rio Doce em Minas Gerais e no Espírito Santo, para várias finalidades. Também foram regularizados 191 usuários do rio Mampituba, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, para irrigação de arroz, estabelecendo eficiência mínima de 85% no uso das águas. Em 2012, a Agência Nacional de Águas analisou pedido deDeclaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) ou alteração de outorga para 19 empreendimentos hidrelétricos, mas emitiu apenas uma DRDH para a Hidrelétrica de Iraí, no rio Uruguai, e uma outorga para a Usina Hidrelétrica de Colíder, no rio Teles Pires. Em 2012, a ANA emitiu Certificado de Sustentabilidade de Obra Hídrica (Certoh)para sete empreendimentos de infraestrutura hídrica implantados ou financiados pela União, que equivalem a investimentos que ultrapassam a R$ 3 bilhões (pág. 319). 
Fiscalização: em 2012, a ANA vistoriou 315 usuários, dos quais, 193 foram notificados.

Fonte: Jornal Dia Dia

terça-feira, 29 de outubro de 2013

SECA REVISITADA

Por Henrique Kugler


Sol escaldante no semiárido nordestino. A inclemência das secas há tempo arrasa a terra e a vida do sertanejo. Ainda assim, “apesar das dolorosas tradições que conhece através de um sem-número de terríveis episódios, ele alimenta a todo transe esperanças de uma resistência impossível”, narrou Euclides da Cunha (1866-1909) em Os sertões. Esse texto é de 1902. De lá para cá muito mudou, mas ainda hoje a complexidade do sistema climático continua a desafiar a ciência; e as consequências da seca na região ainda nutrem acirrados debates entre acadêmicos, técnicos e gestores.
Como entender a origem das agruras climáticas que afligem o Nordeste de nosso país? “As secas costumam ser ocasionadas por dois fenômenos climatológicos de escala global”, explica o climatologista José A. Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O primeiro deles é o El Niño. Trata-se de um aquecimento incomum das águas superficiais do oceano Pacífico – o que origina, na costa oeste da América do Sul, índices de evaporação e precipitação bastante elevados.
E, por incrível que pareça, essa mudança ocasional em um oceano distante é capaz de alterar, também, os padrões de circulação atmosférica no território brasileiro. Uma das consequências do El Niño é o decréscimo – por vezes radical – no regime das chuvas sobre o Nordeste de nosso país. A periodicidade desse fenômeno natural é incerta, mas ele costuma ocorrer em ciclos de dois a sete anos.
O segundo fenômeno responsável pelas sucessivas secas na região tem um nome ligeiramente mais complicado: é o que climatologistas chamam de variação do gradiente de temperatura da superfície do Atlântico Tropical. O conceito é bastante simples. De tempos em tempos, as águas do Atlântico Tropical Norte – região oceânica entre o Equador e a latitude 15° Norte – ficam mais aquecidas que as águas do Atlântico Tropical Sul – localizado entre o Equador e a latitude 15° Sul. Isso acarreta notórias alterações nas zonas de precipitação.
“Onde temos águas mais quentes, há mais evaporação; e maiores taxas de evaporação favorecem a formação de chuvas”, ensina Marengo. Quando as águas do norte se aquecem, portanto, a precipitação tende a se concentrar por lá – abandonando parte do Atlântico Tropical Sul e reduzindo significativamente o índice pluviométrico do Nordeste do Brasil.
É comum confundir os conceitos de seca e estiagem. Vale o esclarecimento. “O clima da região Nordeste é semiárido, o que significa que o ano é dividido em estações chuvosas e estações de estiagem”, explana Marengo. “Seca é quando não chove nos meses em que deveria chover.” No caso do semiárido nordestino, há expectativa de chuva entre janeiro e junho; e ausência de precipitação é esperada entre julho e dezembro.
“Com nossos sistemas de previsão meteorológica, somos cada vez mais capazes de predizer os períodos de seca”, afirma Marengo (ver ‘Incertas, mas previsíveis’). “Mas não podemos prever seus impactos, pois a falta d’água costuma trazer sérias consequências sociais e políticas.”


Incertas, mas previsíveis
Predizer o clima e o tempo é sempre um desafio para a ciência. “Mas, no caso das secas do Nordeste, os índices de acerto nas previsões têm sido bastante satisfatórios”, comenta Marengo. “Estações meteorológicas automáticas distribuídas nos mares e no continente coletam dados precisos sobre temperatura, pressão e diversas outras variáveis climatológicas”, que permitem aos meteorologistas elaborar cenários com grau razoável de confiabilidade.

Atualmente, porém, mesmo com sistemas sofisticados, não somos capazes de prever o tempo com mais de três meses de antecedência. Por exemplo: em setembro, pode-se ter alguma acurácia nas previsões para outubro, novembro e dezembro. A previsão oficial do governo para o Nordeste é anunciada normalmente em janeiro – quando já se sabe como será o regime de chuvas durante os meses de fevereiro, março e abril.

Uma curiosidade: ainda hoje vivem os chamados ‘profetas da chuva’ – figuras locais que, entre o misticismo e a tradição, lançam palpites sobre o regime pluviométrico do sertão. Marengo confidencia: em algumas reuniões entre meteorologistas, esses inusitados magos do semiárido são convidados a participar. “Em muitos casos, o que eles especulam por métodos tradicionais se aproxima do que nossa ciência prevê”, comenta o pesquisador. “Não há nada de errado no fato de a ciência dar ouvidos à experiência.”


Literatura e realidade

A figura clássica do retirante talvez não exista mais. O camponês castigado pela falta d’água, com seu gado magro a definhar na caatinga, é parte de um momento pretérito que, ao que tudo indica, foi superado. Pelo menos em parte. “Não vemos mais aquele êxodo em massa, como retratado em Vidas secas, de Graciliano Ramos [1892-1953]”, comenta o engenheiro Marcos Freitas, da Agência Nacional de Águas (ANA). Nos idos passados, levas de nordestinos deixavam suas terras e rumavam para as grandes cidades. Hoje, no entanto, a vida dos sertanejos parece menos difícil. “Parte desse sucesso se deve às políticas governamentais de incremento de disponibilidade hídrica”, diz o engenheiro da ANA.
Açudes, cisternas, carros-pipa. São algumas das principais estratégias adotadas nas últimas décadas para atenuar a falta d’água em muitos municípios do semiárido. Méritos ao Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), vinculado ao Ministério da Integração Nacional (MIN). “É preciso reconhecer os avanços, sim, mas estamos distantes de uma situação ideal e ainda há muito a se fazer”, pondera Freitas.


Amanhecer semiárido

Especialistas estão de acordo: “O que caracteriza a seca no semiárido nordestino não é a falta pura e simples de água, e sim a forma lotérica como as chuvas se distribuem no tempo e no espaço”, explica o engenheiro agrônomo João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco. Um só trimestre pode registrar até 90% da precipitação anual.
“Desafio, portanto, é armazenar essa água de maneira eficiente e segura para que ela seja distribuída de maneira igualitária durante o ano”, diz Freitas. “Mas não basta armazenar; é preciso atentar para a qualidade da água estocada”, alerta. Esgoto nos rios, resíduos sólidos a poluir cursos d’água são alguns dos problemas que insistem em permanecer em pauta – não somente no Nordeste, mas em todo o Brasil. “Tratamos apenas algo em torno de 60% de nossos esgotos”, diz Freitas.

Outro desafio, segundo ele, é incentivar o uso mais racional dos recursos hídricos na agricultura do semiárido. Os sistemas convencionais acarretam desperdício notório de água. “Por isso devemos incentivar a irrigação por gotejamento ou microaspersão”, sugere o engenheiro. “São muito mais eficientes, pois evitam perdas por evaporação.”
O terceiro grande desafio, para Freitas, é o abastecimento de populações difusas. Aglomerados urbanos, em geral, contam com infraestrutura hídrica satisfatória. Mas habitantes de paragens remotas sofrem. “Longas caminhadas, quilômetros a fio com uma lata na cabeça para buscar água; isso ainda acontece”, lamenta Freitas.
Dado desolador: segundo o engenheiro da ANA, no Brasil perde-se de 30% a 40% de água nos processos de distribuição. Motivo: infraestrutura precária – vazamentos, tubulações avariadas, desvios clandestinos...


Sertão: retrato institucional

A última seca do Nordeste foi registrada em 2012. E os baixos índices pluviométricos de 2013 confirmam: esta seca ainda perdura. Quanto a 2014, pouco se sabe. Previsões de janeiro poderão trazer melhores notícias. Ou não. Segundo Marengo, as secas tendem a durar de um a dois anos. Não é incomum, entretanto, que se estendam por tempo maior. Na década de 1950, por exemplo, a terra sedenta do semiárido permaneceu sob esse regime implacável por nove anos
Mas hoje, mesmo no segundo ano consecutivo da seca, os habitantes da região não têm tido graves problemas de abastecimento”, observa Freitas. É a prova, segundo ele, de que as políticas públicas estão funcionando a contento. “Recentemente, o governo federal ampliou as medidas ao anunciar um aporte de R$ 9 bilhões em uma série de iniciativas, como a prorrogação das operações de crédito rural, a renegociação das dívidas agrícolas e a expansão dos programas Bolsa Estiagem, Garantia-Safra e Operação Carro-Pipa”, informou o MIN à Ciência Hoje. As ações devem atender a mais de 10 milhões de pessoas que vivem nas regiões afetadas pela imprevisibilidade do clima.
“Mas, infelizmente, é comum haver descontinuidade entre um governo e outro”, aponta o engenheiro da ANA. “Um estado ou município pode ter boa estrutura institucional durante um mandato; mas ela pode ser totalmente desmobilizada no governo seguinte.” Para Freitas, as instituições ainda funcionam de forma precária – sem um quadro efetivo de servidores permanentes e concursados.
Para os pesquisadores, a solução para o semiárido requer visão integrada. “O meteorologista preocupa-se com as chuvas; o agrônomo com as culturas agrícolas; o hidrólogo com a vazão dos rios; o economista com os impactos econômicos; e o político poderia auxiliar no planejamento orçamentário e nas negociações de questões federativas”, aponta o engenheiro da ANA. “O avanço do conhecimento divide as ciências, mas devemos superar a visão compartimentada do saber para solucionar os problemas do semiárido nordestino.”


A contenda do velho Chico

Impossível falar de seca no Nordeste sem mencionar a transposição do rio São Francisco. A obra é das mais polêmicas – e tem dividido opiniões desde o início. Um dos maiores críticos ao projeto é o engenheiro João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Segundo ele, a transposição é uma grande fraude técnica. “Ela permanecerá no imaginário como a solução para a seca, e não é”, censura Abner. “Essa obra não vai terminar nunca.” O governo rebate: o MIN informou à Ciência Hoje que a obra estará concluída em 2015.

Um dos pontos de disputa é o fato de que a transposição, segundo seus críticos, é uma obra que beneficiará o grande capital – grandes propriedades agrícolas e industriais –, e não as populações difusas que carecem de abastecimento. “Não é verdade”, contra-argumenta o MIN. “Os canais dos eixos Leste e Norte, por exemplo, levarão a água do São Francisco para 325 comunidades difusas.” Segundo Abner, entretanto, são os financiamentos de campanhas eleitorais – por parte das empreiteiras responsáveis pela obra – que motivam a controversa transposição.

FONTE:  Ciência Hoje/ RJ

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Gestão de recursos hídricos no Brasil representa um problema crítico.


 
Avaliação foi feita por participantes de seminário sobre recursos hídricos e agricultura, realizado na FAPESP como parte das atividades do Prêmio Fundação Bunge 2013.
 
A gestão de recursos hídricos no Brasil representa um problema crítico, devido à falta de mecanismos, tecnologias e, sobretudo, de recursos humanos suficientes para gerir de forma adequada as bacias hidrográficas do país. A avaliação foi feita por pesquisadores participantes do “Seminário sobre Recursos Hídricos e Agricultura”, realizado no dia 2 de outubro, na FAPESP.
 
O evento integrou as atividades do 58º Prêmio Fundação Bunge e do 34º Prêmio Fundação Bunge Juventude que, neste ano, contemplaram as áreas de Recursos Hídricos e Agricultura e Crítica Literária. Na área de Recursos Hídricos e Agricultura os prêmios foram outorgados, respectivamente, aos professores Klaus Reichardt, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), da Universidade de São Paulo (USP), e Samuel Beskow, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
 
“O Brasil tem problemas de gestão de recursos hídricos porque não há mecanismos, instrumentos, tecnologias e, acima de tudo, recursos humanos suficientemente treinados e com bagagem interdisciplinar para enfrentar e solucionar os problemas de manejo da água”, disse José Galizia Tundisi, pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia (IIE), convidado a participar do evento.
 
“É preciso gerar métodos, conceitos e mecanismos aplicáveis às condições do país”, avaliou o pesquisador, que atualmente dirige o programa mundial de formação de gestores de recursos hídricos da Rede Global de Academias de Ciências (IAP, na sigla em inglês) – instituição que representa mais de cem academias de ciências no mundo.
 
De acordo com Tundisi, as bacias hidrográficas foram adotadas como unidades prioritárias de gerenciamento do uso da água pela Política Nacional de Recursos Hídricos, sancionada em 1997. Todas as bacias hidrográficas do país, contudo, carecem de instrumentos que possibilitem uma gestão adequada, apontou o pesquisador.
 
“É muito difícil encontrar um comitê de bacia hidrográfica [colegiado composto por representantes da sociedade civil e responsável pela gestão de recursos hídricos de uma determinada bacia] que esteja totalmente instrumentalizado em termos de técnicas e de programas para melhorar o desempenho do gerenciamento de uso da água”, afirmou.
 
Modelagem hidrológica
 
Segundo Tundisi, alguns dos instrumentos que podem facilitar a gestão e a tomada de decisões em relação ao manejo da água de bacias hidrográficas brasileiras são modelos computacionais de simulação do comportamento de bacias hidrográficas, como o desenvolvido por Beskow, professor do Departamento de Engenharia Hídrica da UFPel, ganhador da atual edição do Prêmio Fundação Bunge Juventude na área de Recursos Hídricos e Agricultura.
 
Batizado de Lavras Simulation of Hidrology (Lash), o modelo hidrológico foi desenvolvido por Beskow durante seu doutorado, realizado na Universidade Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais, com um período na Purdue University, dos Estados Unidos.
 
“Há vários modelos hidrológicos desenvolvidos em diferentes partes do mundo – especialmente nos Estados Unidos e Europa –, que são ferramentas valiosíssimas para gestão e tomada de decisões relacionadas a bacias hidrográficas”, disse Beskow.
 
“Esses modelos hidrológicos são úteis tanto para projetar estruturas hidráulicas – pontes ou reservatórios –, como para fazer previsões em tempo real de cheias e enchentes, como para medir os impactos de ações do tipo desmatamento ou mudanças no uso do solo de áreas no entorno de bacias hidrográficas”, afirmou.
 
De acordo com o pesquisador, a primeira versão do Lash foi concluída em 2009 e aplicada em pesquisas sobre modelagem de chuva e vazão de água para avaliação do potencial de geração de energia elétrica em bacias hidrográficas de porte pequeno, como a do Ribeirão Jaguará, em Minas Gerais, que possui 32 quilômetros quadrados.
 
Em razão dos resultados animadores obtidos, o pesquisador começou a desenvolver, a partir de 2011, a segunda versão do modelo de simulação hidrológica, que pretende disponibilizar para os gestores de bacias hidrográficas de diferentes dimensões.
 
“O modelo conta agora com um banco de dados por meio do qual os usuários conseguem importar e armazenar dados de chuva, temperatura e umidade e uso do solo, entre outros parâmetros, gerados em diferentes estações da rede de monitoramento de uma determinada bacia geográfica e, que permitem realizar a gestão de recursos hídricos”, contou.
 
Uma das principais motivações para o desenvolvimento de modelos e de simulação hidrológica no Brasil, segundo o pesquisador, é a falta de dados fluviométricos (de medição de níveis de água, velocidade e vazão nos rios) das bacias hidrológicas existentes no país.
 
É baixo o número de estações fluviométricas cadastradas no Sistema de Informações Hidrológicas (HidroWeb), operado pela Agência Nacional de Águas (ANA), e muitas delas estão fora de operação, afirmou Beskow.
 
“Existem pouco mais de cem estações fluviométricas no Rio Grande do Sul cadastradas nesse sistema, que nos permitem obter dados de séries temporais de até dez anos”, disse o pesquisador. “Esse número de estações é muito baixo para fazer a gestão de recursos hídricos de um estado como o Rio Grande do Sul.”
 
Uso racional da água
 
Beskow e Klaus Reichardt – que também é professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) – destacaram a necessidade de desenvolver tecnologias para usar a água de maneira cada vez mais racional na agricultura, uma vez que o setor consome a maior parte da água doce prontamente disponível no mundo hoje.
 
Do total de 70% da água encontrada na Terra, 97,5% é salgada e 2,5% é doce. Desse percentual ínfimo de água doce, no entanto, 69% estão estocados em geleiras e neves eternas, 29,8% em aquíferos e 0,9% em reservatórios. Do 0,3% prontamente disponível, 65% são utilizados pela agricultura, 22% pelas indústrias, 7% para consumo humano e 6% são perdidos, ressaltou Reichardt.
“No Brasil, temos a Amazônia e o aquífero Guarani que poderão ser explorados”, afirmou o pesquisador que teve projetos apoiados pela FAPESP.
 
Reichardt ganhou o prêmio por sua contribuição em Física de Solos ao estudar e desenvolver formas de calcular o movimento de água em solos arenosos ou argilosos, entre outros, que apresentam variações. “Isso foi aplicado em vários tipos de solo com condutividade hidráulica saturada em função da umidade, por exemplo”, contou.
 
O pesquisador vem se dedicando nos últimos anos a realizar, em colaboração com colegas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), tomografia computadorizada para medida de água no solo. “Por meio dessa técnica conseguimos desvendar fenômenos muito interessantes que ocorrem no solo”, disse Reichardt.
 
Custo da inanição
 
O evento contou com a presença de Eduardo Moacyr Krieger e Carlos Henrique de Brito Cruz, respectivamente vice-presidente e diretor científico da FAPESP; Jacques Marcovitch, presidente da Fundação Bunge; Ardaillon Simões, presidente da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe), e José Antônio Frizzone, professor da Esalq, entre outras autoridades.
 
Em seu pronunciamento, Krieger apontou que a Fundação Bunge e a FAPESP têm muitas características em comum. “Ao premiar anualmente os melhores pesquisadores em determinadas áreas, a Fundação Bunge revela seu cuidado com o mérito científico e a qualidade das pesquisas”, disse Krieger.
 
“A FAPESP, de certa forma, também faz isso ao ‘premiar’ os pesquisadores por meio de Bolsas, Auxílios e outras modalidades de apoio, levando em conta a qualidade da pesquisa realizada.”
 
Brito Cruz ressaltou que o prêmio concedido pela Fundação Bunge ajuda a criar no Brasil a possibilidade de pesquisadores se destacarem na sociedade brasileira por sua capacidade e realizações intelectuais.
 
“Isso é essencial para se construir um país que seja dono de seu destino, capaz de criar seu futuro e enfrentar novos desafios de qualquer natureza”, disse Brito Cruz. “Um país só consegue avançar tendo pessoas com capacidade intelectual para entender os problemas e criar soluções para resolvê-los.”
 
Por sua vez, Marcovitch avaliou que o problema da gestão do uso da água no país pode ser enfrentado de duas formas. A primeira parte da premissa de que o país está deitado em berço esplêndido, tem recursos naturais abundantes e, portanto, não precisaria se preocupar com o problema. A segunda alerta para as consequências da inação em relação à necessidade de se fazer gestão adequada dos recursos hídricos do país, como Tundisi vem fazendo, para estimular pesquisadores como Beskow e Reichardt a encontrar respostas.
 
“[Nós, pesquisadores,] temos a responsabilidade de elevar a consciência da sociedade sobre os riscos e o custo da inação em relação à gestão dos recursos hídricos do país”, disse.
 
Matéria de Elton Alisson, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate.